Viagem ao Tahiti


Opções de título:
Férias nas ilhas do vento
ou
Um jeito gostoso de viver



Capítulo I

A história do mundo, resumida por um menino francês.

‘Todo garoto parisiense sabe como as coisas, antigamente, eram completamente diferentes. Havia gauleses e romanos. Os gauleses eram bons. Os romanos, maus. Os gauleses faziam festas, os romanos, guerra. Gauleses gostavam de rir; romanos, de matar. Os romanos queriam mandar nos gauleses, que não concordavam com isso. Os gauleses tinham sacerdotes chamados druidas, que colhiam cogumelos mágicos na floresta e com eles faziam poções que deixavam os guerreiros fortes. A professora de História discorda e diz que os gauleses lutavam pela liberdade e venceram por sua determinação e coragem. O fato é que os romanos perderam seu império e a Roma de hoje é uma cidade feia e arruinada – quero dizer, tem ruínas por todos os lados. Paris é hoje a capital do mundo, a cidade luz, com tudo de bom e bonito que há no planeta.’
-  É por isso que não faz nenhum sentido sair de Paris, ainda mais nas férias escolares, com toda a turma indo divertir-se na aldeia do Asterix ou fazendo de bicicleta o circuito dos castelos do rio Loire. Inda mais para enfiar-se no meio do mato com um povo primitivo.’
Bem, depois deste discurso, Jacques e Annette, os avós do esperto André, se entreolharam.
- Uma interessante maneira de pensar – e o avô abriu seu sorriso amoroso – e eu lhe darei três razões para sair de Paris. Viajar com seus avós, que vão mimar você por um mês inteirinho. Conhecer a prima Anne Marie e os tios Pierre e Mireille. Tornar-se um verdadeiro ‘cidadão do mundo’.
Isso era mexer com os brios do menino, pois parisiense que se preze diz ser cidadão do mundo. Pois bem...
- Para ser um verdadeiro cidadão do mundo você precisa viajar pelo mundo. Só quem conhece o resto pode afirmar que a França é o melhor país do planeta com a autoridade de quem sabe o que fala.
Aí André vacilou.
Era por isso que o menino estava agora de nariz grudado na janelinha do avião, ansiosamente aguardando ver algo diferente de céu azul e nuvens. Sua energia de menino saudável pedia movimento.
Então o avião inclinou-se e lá embaixo apareceu um pontinho no oceano. E ao redor do ponto que aumentava minuto a minuto, o oceano ganhava lindas tonalidades de azul. Outros pontos apareceram ao redor.
- É a Polinésia Francesa. Essa ilha é o Tahiti.
A água do mar era azul escura e ao redor da ilha havia grandes manchas de um azul claro cintilante.
O avião aproximou-se da terra tão rápido que o menino teve tempo apenas de observar grandes manchas de um azul cintilante ao redor da ilha, em contraste com o azul mais escuro do mar. O avo explicou:
- São as lagunas que tem esta cor mais clara. São águas rasas, verdadeiras piscinas formadas pelo coral ao redor da montanha.
- Que montanha?
- Cada ilha da Polinésia é formada por uma enorme montanha. Montanhas com vulcões, naturalmente, mas sossegue, no Tahiti o vulcão está extinto.
- ?
            - Morto.
- Ah...
- As explosões dos vulcões empurraram as montanhas para cima e formaram as ilhas.
- Então existem mais montanhas debaixo d’água, vovô?
- Muitas. Olha, o aeroporto de Faa’a.
O menino riu:
- Você está gaguejando, vovô.
        - Não estou, não. É Faa’a mesmo. Aeroporto internacional Faa’ a.
- Isto lá é francês?
- É polinésio. A língua nativa das ilhas.
         - Então minha prima não fala francês?
- Todo mundo aqui fala as duas línguas. Francês e polinésio.
No pequeno aeroporto, desceram pela escada do avião até o solo e caminharam na direção do portão alfandegário. Um grupo de homens com camisas floridas tocava músicas alegres em uma espécie de guitarra que o avô chamou de ukelele; a música era  para dar as boas vindas aos visitantes, e mulheres ofereciam colares de flores aos passageiros. André pegou entre os dedos o botão de uma flor branca muito perfumada.
            - É a tiare, a gardenia tatiensis, a flor do Tahiti.
            André guardara em sua mochila o cardápio distribuído no avião; nele havia uma tiare desenhada em fundo amarelo, e ele queira aquela imagem bonita como lembrança do vôo.
            Passaram rapidamente pelo portão ‘passaporte europeu’ e lá estavam os tios esperando por eles, com a prima Anne, uma garota de olhos vivos, covinhas nas faces e cabelos cacheados. André gostou dela imediatamente.
- Ia ora.
- Aha to oe huru?
Nos momentos seguintes, entre abraços saudosos, as duas línguas se misturaram em alegres exclamações. O tio Pierre era muito parecido com o avô , só que mais sério. E a tia tinha os quadris mais largos e baixos que o menino já vira e lindos cabelos ondulados; seu sorriso feliz dava-lhe uma aparência muito jovem. André gostou dela. Suavemente, a tia inclinou-se para o menino e colocou em seu pescoço um colar de flores vermelhas e amarelas, dizendo:
         - Aloha!
         E, então, para grande espanto de André, o avô começou a falar em polinésio!
         Seus avós visitavam o filho a cada dois anos, portanto, nada mais natural que entendessem algo da língua nativa, pensou André, sentindo-se muito tolo.
A caminho da casa dos tios, seguiram por uma espécie de estrada de mão única, que circulava a ilha, a certa distância do mar, de tal forma que não se podia ver a praia. Quer dizer, entre a rodovia e o mar, havia casas, lojas e hotéis. A cidade, que se chamava Papeete, era a capital do Tahiti.
            A casa dos tios, embora simples, era muito bonita, tinha um pátio interior com um jardim e piscina. Havia cachorros, também, e uma grande área atrás da casa boa para brincar, contou a prima.
            - Depois de tantas horas de vôo, felicidade á poder tomar um banho. – exclamou vovó.
            Depois de se banharem com um sabonete que cheirava a tiare e a óleo de coco, os viajantes foram convidados a se refrescar com um suco de pamplemousse, uma fruta cítrica da terra, verde e ácida. André arregalou os olhos de gosto.
- Isso é prá lá de bom!
A família sentou-se ao redor da piscina para conversar. Marie Anne sentou-se entre os avôs, silenciosa e irrequieta como um esquilo. André sentia moleza no corpo, esforçava-se por manter os olhos abertos. Enormes estrelas douradas balançavam-se para cima a para baixo na água ora azul ora branca...
- Esse menino vai cair! – e o avô agarrou André no ar, em meio a um bocejo digno de um hipopótamo. – Vamos caminhar para espantar o sono.
André não sentia sono, e sim preguiça. Seu corpo estava quente e pesado. Os músculos não lhe obedeciam e respirava com dificuldade. O ar do equador pesava sobre a pele como um cobertor molhado. O suor acumula-se até nas pálpebras.

- Vamos até a laguna – sugeriu o tio – Não é bom que durmam agora, precisam combater o jat lag e entrar no fuso horário correto. E, o melhor a fazer, no nosso caso, é ficar acordado, ao sol, o maior tempo possível.
Marie Anne pegou os avós pela mão e foi saltitando até o portão. A tia e o tio pegaram o sonolento André pelas mãos e atravessaram com ele o portão, a estrada e um caminho entre coqueiros até o mar. O tio ancorava suas canoas ali.
A água estava morna e os pés descalços do menino pisaram o fundo firme e cinza da laguna.
André abaixou-se e apalpou o coral, que era liso e duro como pedra macia. Aqui e ali, embora não houvesse ondas, estruturas arroxeadas agitavam-se dentro d’água, como folhas ao vento – eram algas, explicou a avó - e pequenos peixes beliscaram suas canelas.
Marie Anne chamou André para sua canoa e os três casais foram remando devagar na direção do oceano.
A água da laguna cintilava como uma jóia. Contornaram as bordas do arrecife até o limite com o mar. O fundo da laguna permaneceu raso, exceto por uma fenda a meio caminho do oceano. Mesmo ali, disse o tio, a profundidade máxima mal chegava a seis metros. Do outro lado do arrecife a água tornava-se azul chumbo, as marolas quebravam-se com estrondo contra a barreira de coral e, lá, a profundidade era da altura de uma montanha, afirmou a prima.
André molhou o rosto e os braços. Já não sentia mais sono.
- Pode nadar, se quiser. É seguro – permitiu o avô.
- Exceto se aparecer moko, o tubarão  – acrescentou a menina. André sabia, pelo sorriso dela, que se tratava de uma brincadeira.
Até o por do sol, permaneceram na laguna, brincando, apesar do calor forte, ao qual André não estava acostumado.
Em frente à laguna viam outra ilha, chamada Morea. André mal acompanhava o que a família planejava fazer em Morea em alguma tarde próxima, porque seu corpo parecia uma gelatina a derreter na água tépida, e o suor estava de volta a empapar suas pálpebras.
            A tia pegou as duas crianças pela mão e atravessou com elas a estrada. O tio e os avós vinham atrás, tagarelando em polinésio.
           O segundo banho do dia despertou novamente o menino, e abriu-lhe o apetite.
           De repente, um barulho retumbante vibrou por longos minutos. Um trovão. Ao primeiro trovão sucederam-se outros.
            Escuras nuvens rolaram sobre a ilha de todas as direções do horizonte; com o vento veio a chuva, a princípio fina, a seguir forte e mais forte, com rajadas que sacudiam os arbustos com violência.
           André sentou-se na varanda para observar o temporal. Uma tempestade equatorial. Espetacular. Escurecia rapidamente e o calor continuava a pesar sobre a pele do menino. O avô abriu a porta e puxou-o para dentro e brincou:
          - É, gaulês, parece que o céu hoje cai sobre as nossas cabeças.
           Quando dizia isto, o avô inchava o peito, projetava a barriga para a frente e puxava os cantos do bigode, tentando ficar parecido com Obelix. Isso sempre fazia o menino sorrir.
           Mas, nesta tarde, André estava sonolento, e seus pensamentos pareciam arrastar-se como lesmas.
           Marie Anne contou:
           - Chove assim todas as noites nesta época do ano, logo você se acostuma.
           Um cheiro bom de peixe vinha da cozinha. A prima estava enfeitando a mesa com flores e frutas e a tia serviu mahi mahi – peixe com leite de coco – e ubu – a fruta pão – para o jantar, depois da sopa e antes dos queijos, como deve ser em uma família de franceses.
           Nesta noite a conversa arrastou-se noite adentro, e entretidos a ouvir as histórias dos adultos, André e Marie Anne acabaram por adormecer nos ombros um do outro, sobre as almofadas espalhadas pelo chão da sala.
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Sugestão: acrescentar receita de mahi mahi. 
http://cliqueagosto.pop.com.br/receitas/mahi-mahi-perfumado-com-ervas



Capítulo 2
Um estilo de vida que encanta através dos tempos.


No dia seguinte, bem cedo, para grande espanto de André, vovó quis ir à missa.
- Missa no templo Paofai, onde cantam himenes aos domingos. Você precisa escutar esses cantos, André, parece música polifônica, aquela que gostamos de ouvir no Natal.
- Correção, vovó, aquela que você gosta de ouvir no Natal – sorriu o menino.
A família de André não era exatamente a mais religiosa das famílias, quero dizer, não faziam questão absoluta de freqüentar templos, mas liam a Bíblia com certa regularidade, para que as crianças recebessem um mínimo de ensinamentos éticos.
Vovô acreditava na força do exemplo, e costumava dizer que uma ação vale por mil palavras. Na opinião do avô, se os pais se comportassem bem e amassem ao próximo, passariam aos filhos mais sabedoria do que os hipócritas que decoram as palavras sagradas, porém não as seguem.
Bem, estavam na missa, e André gostou de ouvir os cantos dominicais.
O canto polinésio chama-se himene, e foi, durante gerações, utilizado para passar os ensinamentos das tribos, suas lendas, crenças e costumes. Quando os europeus chegaram, com a mania de querer impor sua cultura, tentaram proibir os himenes, bem como tudo o mais que lembrasse os antigos deuses. Por sorte, alguns padres e pastores conseguiram salvar um pouco da cultura, trazendo os cantos para dentro das igrejas; desta forma, foi permitido o seu uso nos cultos dominicais.
Alguns padres e pastores levaram para a Europa tecidos, objetos e até mesmo textos, que agora são úteis para o entendimento do povo destas ilhas.
O chefe de canto, ra’atira, dirige os cantores – havia uns cinqüenta na igreja. Os cantos falam da natureza exuberante das ilhas, das águas misteriosas do oceano e das florestas. Cada ilha da Polinésia tem seu conjunto de canções próprias. Este tipo de himene se chama tarava.
Os cantos com que haviam sido recebidos no aeroporto, com dois ou três cantores acompanhados de ukulele, são improvisados, baseados em jogos de palavras, e se chamam ute.
Há também o canto coral sem instrumentos, ou, como se diz habitualmente, a la capela, com poucas vozes, geralmente cinco, chamado ru’au.


Na volta da missa, tio Pierre levou a todos para passearam pela ilha, fazendo hora para o almoço.
O primeiro local onde pararam foi Tata’a.
Neste promontório os antigos nativos da ilha diziam que as almas dos mortos paravam depois de se separarem de seus corpos, e lá ficavam por um tempo, até que fosse decidido se elas iriam embora ou voltariam para a Terra. Um local sagrado de repouso e despedida para os mortos, que, na opinião dos polinésios, deveria ser preservado por respeito às antigas gerações, e está ameaçado, pela ganância dos hoteleiros.
A vista do mar que se tem do promontório é muito bonita.
         A tia explicou que há ali duas pedras: a da morte e a do renascimento. Ao sair do corpo, a alma pousa sobre uma dessas pedras, o que determina seu destino futuro: prosseguir a viagem ou retornar. E contou que, nas outras ilhas da Sociedade, existem locais semelhantes, com a mesma finalidade, todas voltadas para o oeste.
          André ficou pensativo, imaginando como seria ver os espíritos dos mortos sentados nas pedras, retornando – para onde? – ou prosseguindo a viagem – para onde?
Seguiram adiante e Pierre parou o carro em frente a umas pedras, para  mostrar a André a praia onde os surfistas praticam suas acrobacias sobre as ondas – Pirae, a praia de areias pretas – e, mais adiante, ele embicou o carro para Arae, onde está o túmulo do rei Pomare V, e mostrou a entrada para o monte Aorai, um passeio demorado que fariam durante a semana.

Almoçaram, em um restaurante, um delicioso prato feito com as batatas da terra e peixe, cozido em folhas de bananeira, regado com leite de coco, o ma’a tahiti. Comeram até fartar-se, mas não com as mãos, como faziam os nativos antigos, é claro.

         À tarde  pararam em frente ao farol Manihivi, na baía de Matovai, onde dizem ter chegado os primeiros navegadores: Cook, Walkis e Bligh.
         - Você já ouviu falar deles, suponho.
Claro que Andre já ouvira falar dos navegadores, pois ele era um garoto e garotos gostam de histórias de aventuras; além do mais, o avô lhe contava os feitos dos outros navegantes quando falava de suas próprias viagens. Porque o avô também gostava de velejar e viajara muito na juventude.
Vovó foi olhar o que havia para vender na loja ao lado; as crianças preferiram tirar fotos em frente ao farol.

Marie Anne repetiu para o primo sua historia favorita, o amor impossível de Christian Fletcher, terceiro oficial da fragata La Bounty, e a filha do chefe Mahina, a bela Mainiuti.

‘Em outubro de 1788 a fragata chegou ao Taiti, enviada pelo rei George III, para pegar mudas de ubu, a fruta pão. Acontece que, por diversas circunstâncias, clima adverso, reparos que precisavam ser feitos no navio etc, os europeus acabaram ficando por lá seis meses, ouvindo os himenes, comendo frutas e peixe, vendo os nativos dançarem a hula, sendo cobertos com colares de conchas e flores, dormindo à luz das estrelas e nadando nas lagunas de águas mornas, enfim, no maior vidão gostoso, como escolares em férias. Festas todos os dias, comida farta, tempo quente, muitas horas de lazer, e, é claro, entre as mulheres lindas das ilhas e os marujos, surgiram alguns namoros. O jovem Fletcher realmente se apaixonou, e partiu em lágrimas, em 1789, na esperança de um dia reencontrar sua bela Mainuiti, e ela, também, de coração partido, ficou na praia, acenando um adeus melancólico a seu belo namorado europeu.’

André gostava das historias do capitão Cook e seu navio, o Endeavour.
- O que você sabe sobre o tal capitão Cook, afinal? – perguntou a prima.
- Sei muitas coisas. - e contou do que se  lembrava de suas leituras.
   ‘O reverendo Cook foi o primeiro sujeito que conseguiu evitar o escorbuto (uma doença muitas vezes mortal causada por deficiência de vitamina C), fornecendo frutas frescas para todos os membros de sua tripulação.
            Ele era inglês, era explorador e era astrônomo. Comandou muitas expedições pelo Oceano Pacífico, Antártida, Ártico e outras partes do mundo. 
           Uma de suas missões era chegar a Tahiti antes de Junho de 1769, estabelecer-se entre os habitantes da ilha, e construir um observatório astronômico. Cook e a sua tripulação observariam Vênus a deslizar sobre a face do Sol, e ao fazê-lo mediriam o tamanho do Sistema Solar. Ou assim esperava a Academia Real de Inglaterra, que financiou a viagem. Há quem diga que o verdadeiro objetivo da viagem era verificar a existência do continente antártico.
            
             Cook explorou as ilhas da Sociedade, Nova Caledônia, a ilha da páscoa, a Nova Zelândia e o Havaí, onde acabou sendo morto por nativos, em 1779.’

A prima Marie Anne contou que os historiadores acreditam que migrações de povos vieram do sul da Ásia há cerca de trinta mil anos, viajando em pirogas. Povoaram as ilhas Marquesas, as ilhas Austrais, as Tuamotu e as ilhas Sociedade. O Tahiti é uma das ilhas Sociedade, e seu nome quer dizer Ilha do Vento. Como está no Equador, a ilha tem ventos alíseos. E a menina exibiu-se, com ar de sabida:
- Sabe, primo, os ventos alísios são os responsáveis por transportar umidade das zonas tropicais para a zona equatorial provocando chuvas nessa região.
- Bem, isto eu percebi... ontem à noite. – sorriu André – E que chuvas!
André foi levado a visitar o Te Fare Manaha, o museu das ilhas, onde viu dezenas de objetos antigos, como tuki, pilão de madeira, umete e ho oka, dois tipos de pratos, pae poo, um apoio de madeira para apoiar a cabeça ao dormir. André admirou-se de que alguém pudesse dormir apoiado em uma madeira, enfim... Havia lanças, okako, e remos, hoe, além das pirogas.
Gostou das maquetes mostrando as cordilheiras submarinas e os grandes abismos marinhos, na região onde estavam, e das fotos dos peixes e outros seres marinhos.
Mas toda aquela informação estava dando sono.
Toda a família tomou um banho demorado na laguna antes do jantar, para relaxar e retirar o excesso de calor do corpo.
E que calor! A pele do menino coçara e pingara durante todo o dia, e ele tomara muita água. As gotas de suor só pararam de correr por seu pescoço abaixo quando entrou na água. Todos os seus músculos estavam moles, e ele sentia que ia desabar a qualquer momento e dormir horas a fio.
Começava a entender porque as pessoas que moravam nos países quentes eram tão desleixadas em suas roupas e atitudes. O calor deixa a gente sem vontade de fazer nada, ou melhor, com vontade de fazer nada.
Depois do jantar, ao retirar-se para seu quarto, Marie Anne bocejou um:
- Na nai.
Ao que André automaticamente respondeu:
- O ... na nai.
E logo em seguida, disse para a tia, que lhe entregou um travesseiro extra:
- Mahuhu
E então deu-se conta de que, ele também, estava falando em polinésio!

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himene:

Capítulo 3
O belo e o eterno

Vovó dissera ao menino, ainda no avião, que, ao chegar ao Tahiti, era preciso entrar no tempo polinésio.

Com o passar dos dias, André começou a imaginar se o tempo polinésio não seria o tempo dos artistas, que, como Gauguin, viviam em um universo particular de beleza.
Ele conversou com a prima sobre Paul Gauguin, que tanto difundiu a beleza da Polinésia.
Paul Gauguin começou tarde a pintar, aos 25 anos, mas a pintura tornou-se toda a sua vida. Pela pintura deixou mulher, filhos e um rentável emprego como escriturário.
Ele expressava-se através da cor e seu modo de pintar foi uma revolução na pintura do século vinte. A partir de 1891 viveu e trabalhou no Tahiti e outros sítios no Pacífico Sul, apaixonando-se pelo modo de vida simples e amável dos indígenas polinésios, que se tornaram o seu principal tema pictórico. Os protagonistas destes quadros são as mulheres e a vegetação tropical
O genial pintor costumava dizer:
"Que possa vir o dia em que eu vá para uma ilha da Oceânia... Viver sem dinheiro (...) Poderia viver, amar, cantar e morrer". Em 1980, Gauguin partiu para o Tahiti e realizou o seu sonho.
O Museu de Gauguin foi uma decepção para André, pois continha apenas imitações dos quadros verdadeiros, que o menino já havia visto na Europa. A menina  desejava ir para Paris para ver os quadros originais, pois ela também gostava de arte. Gauguin vivera próximo ao rio Vaihiria; havia também um lago Vaihiria, nas proximidades do museu.

Marie Anne cantava muito, e também dançava. Durante a semana, o primo pode ver tanto a tia quanto a prima dançando e cantando, pois elas faziam parte de um conjunto folclórico que se apresentava para turistas no hotel Méridien. Ele também se interessou e começou a assistir e a participar das aulas de dança.
Hura é a palavra polinésia para dança ancestral. Em havaiano é hula, palavra que é mais conhecida no resto do mundo. Hura significa também ‘exultar de alegria’ e as tapairu, jovens dançarinas, eram as jovens servidoras da rainha, mas também as jovens que viviam de modo delicado.
As meninas usavam pareo para fazer as aulas, saias longas ou curtas bem coloridas, amarradas ao corpo com um laço ao lado. Rapazes e moças usavam enfeites de cabelo, de punho e de tornozelo, feitos com palha colorida, conchas, penas ou flores. Os homens se tatuavam, com belos desenhos coloridos sobre seus músculos fortes. Os longos cabelos das mulheres e seus quadris eram o destaque mais bonito das danças. A suavidade dos movimentos dos quadris é realmente especial na dança polinésia.
A dança acompanhava todos os acontecimentos dos povos das ilhas, até ser proibida em 1820. Reapareceu após 1950, quando foi divulgada através do cinema, e hoje gera renda para muitas famílias e é uma atração turística muito procurada.
André aprendeu que há quatro tipos principais de dança.
A dança de guerra chama-se ote’a. Apenas os homens participavam, com movimentos fortes e bruscos, acompanhados de instrumentos, ritmo rápido, gestos que lembram o uso de armas. As saias usadas para dançar o ote’a são de fibras vegetais coloridas, trançadas e enfeitadas com penas e conchas. Há um passo feito com os joelhos dobrados rapidamente para frente e para trás que se chama pa’oti.
Marie Anne gostava de dançar aparima, ou dança dos gestos, mais lenta que o ote’a, e na qual, com delicados gestos de mãos, é contada uma historia, ao som de instrumentos de percussão. Os gestos representam o movimento do mar, o vôo de pássaros e atividades do dia a dia como cozinhar a fruta pão, pentear os cabelos, pescar, acenar em despedida, ou enviar beijos.
André gostou de dançar o hivinau, alegre dança acampanhada de gritos de hiria há’a, hiria há’a há’a, cujos passos são inspirados no movimento giratório das canoas em círculos concêntricos para ancorar. Um círculo de homens e outro círculo de mulheres giram em direções contrárias, ilustrando cenas da vida no mar.
O paoa é uma dança relacionada com a tecelagem, para alegrar esta atividade repetitiva e monótona.
Atualmente, para preservar as antigas tradições, tanto as ilhas Marquesas como as ilhas da Sociedade, entre as quais se inclui o Tahiti, fazem anualmente concursos de danças e existem coreografias modernas, além das tradicionais. 
André chegou mesmo a se tatuar para sentir-se um verdadeiro dançarino polinésio. Fez tatuagens de hena, que saem depois de alguns dias, mas ficaram tão bonitas que ele até tirou fotos do corpo tatuado, em trajes de dança, para mostrar para os amigos parisienses. E não resistiu a fazer uma brincadeirinha com a mãe: enviou as fotos pela internet sem especificar que as tatuagens eram de hena, para que ela se assustasse e pensasse que eram tatuagens verdadeiras. E ficou rindo, quando ela telefonou, toda preocupada, como as mães costumam ficar, quando seus filhos fazem algo não convencional.

aparima
http://www.youtube.com/watch?v=XlB71vGHDJk&feature=relatedpaoa
http://www.youtube.com/watch?v=Rffj2-kQiN8
hivinau:
http://www.youtube.com/watch?v=hjpKdZdaYhI




Capítulo 4
A cratera de um vulcão extinto.

            André virou-se bem lentamente na cama. Não estava chovendo.
            O menino levantou-se devagar, bocejando grande, arrastou-se até a janela e afastou a cortina. Por trás da montanha, a claridade da manhã anunciava um dia ensolarado. Os passarinhos estavam mudos, pois, no equador, até os pássaros se tornam preguiçosos.
            Era curioso que os primeiros europeus comparassem as ilhas da Polinésia ao paraíso. Beleza à parte, o clima quente demais estava mais para infernal...
            Belas e perfumadas flores, como as do jardim dos tios,  estão por toda a ilha. O ar é adocicado no Tahiti. Frutas gostosas estão por toda a parte, como a deliciosa pamplemousse, os cocos, os abacaxis, as bananas e as mangas que comiam todas as manhãs.
            André respirou fundo. O ar pesado e quente já o entontecia. A pele úmida grudava nos lençóis, nas redes, onde quer que ele encostasse. Bocejou. Seus movimentos começavam a ser lentos, como os pensamentos. Talvez, por causa do calor, o povo das ilhas fosse tão contemplativo, amável e tolerante. O caráter das pessoas talvez tivesse algo a ver com o clima. Não dá para ser muito briguento com tal calorão.
            E, deixando-se perder em reflexões novas, André deu-se conta de que não estava com saudades dos pais, nem dos colegas, nem da sua amada Paris. Nem havia pensado nos amigos nas últimas semanas, esquiando na neve ou caminhando agasalhados até as orelhas pelas margens geladas do Sena. E não era por esquecimento, era porque o tempo não parecia ter passado, mesmo. Era como se ele apenas houvesse acabado de chegar.
            O menino ficou prestando atenção em seu corpo quente, em seu coração que parecia bater mais lento, em sua respiração definitivamente mais profunda, e exclamou:
            - Ué, não é que o tempo passa diferente por aqui? Vovó bem tem razão quando disse que era preciso entrar no tempo polinésio!
            Um tempo que parecia eterno, parado, como se tudo fosse sempre assim e nunca fosse mudar. Talvez isso fosse, afinal, uma forma de paraíso, tudo sempre bom e igual.
            E não era chato ser sempre bom e igual. Era simplesmente ótimo.
            Brincar com a prima, ir nadar, dançar, cantar, olhar as belas flores, sentir os cheiros bons daquela ilha perfumada, olhar o oceano, correr pelos caminhos de terra morna até as lagunas, boiar, pescar, mergulhar, e ser feliz o tempo todo – André não queria mais nada daquele verão.
            Pela primeira vez na vida a palavra rotina não parecia monótona nem chata, somente uma contestação de que tudo estava como precisava ser para que as pessoas ficassem felizes.
            Ele olhou suas tatuagens de hena e pensou – acho que estou virando polinésio.
            Porém, era possível que a rotina acabasse naquele dia e algo diferente acontecesse, afinal. Como não chovera durante a madrugada, as trilhas da montanha estavam secas e o tio o levaria até a cratera do vulcão, passeio que estava sendo adiado por conta da chuva torrencial que encharcava os caminhos.
André esticou a mão para o protetor solar e encharcou-se. Como tudo no Tahiti, o protetor solar cheirava a flor. Por mais líquido que André espalhasse na pele, nunca era o suficiente. Ele repunha o protetor a cada duas horas e, mesmo assim, quando chegava ao fim da tarde, sentia-se queimado. Mas não estava ardido ou descascado. Apenas vermelho. Como todo bom caucasiano que se preze, André não conseguia ficar bronzeado, mas ele não estava chateado com isso, pois havia turistas em grande número nas ilhas e assim, ele não chamava a atenção com sua cor de camarão assado, como dizia a prima, para mexer com ele.
Depois do café da manhã, a família se encarapitou em um quatro por quatro, um carrinho leve, descoberto, próprio para excursões em terreno acidentado, e seguiram pela estrada que rodeava a ilha, em direção a uma bifurcação que penetrava no interior, até o vale do rio Papenoo, onde veriam alguns sítios arqueológicos com o pouco que restou dos tikis (estátuas) das tribos antigas.
             No caminho, pararam para ver o túmulo do rei Pomare V, e para observar o mar do mirante no promontório de Tahara’a. Depois entraram na bifurcação e penetraram na floresta. A floresta tropical é espessa, muito verde, muito densa, muito quente, realmente impressionante. Os rios estavam cheios, por causa das chuvas abundantes, e cachoeiras temporárias despencavam espetacularmente pelas encostas da montanha.
Passaram por pontes que estavam quase encobertas pelos leitos cheios dos rios, e o tio atirou comida para as enguias enormes, que se aproximavam das margens. As crianças não se aproximaram, pois as enguias podem ser perigosas.
             O tio explicou que antes dos europeus, ou seja, antes da água encanada, as pessoas moravam no interior, às margens do rio, perto da água doce.
          O tio ia explicando tudo, desde o nome das árvores – que André não estava interessado em decorar – até a geologia do local, mostrando os buracos de lava que se formaram nas encostas da montanha após cada erupção, e por onde escorrem hoje as águas da chuva, próximo ao rio Fa’atautia; em outro local, chamado Canto do Suspiro, por onde as águas do mar penetram, com estrondo, formam-se ondas imensas e muito barulhentas.
          As rochas derivadas da lava são escuras, de aspecto liso.
         Como o vulcão está extinto, pode-se entrar no centro da ilha, no que outrora foi a cratera do vulcão, e que hoje está encoberta pela vegetação tropical,
André achou muito interessante a pedra encontrada às margens do rio Tipaerui, com seus desenhos estilizados de formas humanas, cuja réplica ele já vira no Museu das ilhas, Te Fare Manaha.
              Esta pedra tem petroglifos, quer dizer, alguém desenhou nela. Em 1925, um arqueólogo havaiano, chamado Kenneth Emory, decifrou estes desenhos, que ficaram conhecidos como a lenda dos gêmeos.
Os gêmeos de Tipaerui

O chefe Tetauri Vahine, vencido, se refugiou com a esposa no vale que hoje leva seu nome. Sua esposa aí deu à luz dois meninos, que morreram logo após o parto, juntamente com a mãe, sendo os três enterrados na terra de Oteteroa, próximo a um córrego, e diz a lenda que estão protegidos por um espírito com a forma de uma enorme enguia gigante.
Se alguém tocar a pedra que recobre o túmulo, morrerá, e leite correrá da pedra. O desenho dos dois irmãos está entalhado nesta pedra.

Maria Anne disse que quando crescesse ia estudar para ser arqueóloga. André contou que pretendia ser historiador.
            -  Bem – disse o avô – por hoje vocês se contentem em entrar na cratera de um vulcão extinto, apalpar as rochas magmáticas e tirar fotos. Hoje depois do jantar ficarei organizando meus álbuns de fotografia, que era a profissão que eu queria ter quando moço; depois, escolhi outra, e a fotografia tornou-se meu passatempo favorito.
          - Bem, é melhor a gente se apressar, vovô. Pelas nuvens que estou vendo no céu, acho que logo, logo a tempestade de hoje fará o céu desabar sobre as nossas cabeças.
        
                    
Capítulo 5
Pelos mares e mercados tropicais
Os últimos dez dias de férias forma especiais. Os tios alugaram um barco e todos velejaram pelo arquipélago, circundando as ilhas Sociedade:  Morea, Maiao, Mehetia – de origem vulcânica, como o Tahiti, e  Tetiaroa, que, diferente das outras, é um atol.
Também foram até as ilhas de Bora Bora, Raiateia e a pequena e linda Maupiti.
A Polinésia Francesa compreende cinco arquipélagos, e o grupo de ilhas aos quais pertence o Tahiti é conhecido como ilhas do vento, ou, em polinésio, Te Fenua Ni’a Mata’i mã.
André mergulhou muitas vezes em companhia dos tios e da prima, enquanto os avós observavam do barco, fotografando tudo o que havia de bonito ao redor, e quase tudo era muito bonito. André viu tantos peixes, corais e crustáceos, até mesmo pescou alguns para a refeição do dia, que parecia mais saboroso porque eles mesmo haviam pescado seu alimento. Quando chovia, observavam a natureza com o potente binóculo do tio, ou desciam à terra para passear pelo mercado local. André chegou mesmo a surfar um pouco, embora não conseguisse se equilibrar tão bem em cima da prancha como gostaria; preferia mergulhar e nadar.
Ao fim destes dez dias retornaram, e o menino parecei ter esquecido completamente o que era neve, nem falava mais sobre sua amada cidade-luz. André estava finalmente habituado ao intenso calor, já não se coçava feito louco, apreciava balançar-se preguiçosamente em uma rede a saborear um água de coco bebida diretamente da fruta, mergulhava nas águas rasas das lagunas quase tão naturalmente quanto a prima e conhecia tantas palavras em reo ma’ohi, que é como o povo do Tahiti chama sua própria língua, que podia entreter-se por longas horas com a prima sem falar sequer uma palavra em francês.
Ora, eis que a tia o chamou para escolher alguns tifaifai que ela queria enviar de presente para a cunhada. Pois, no dia seguinte, os avós, com o menino, retornariam para a França.
Tifafai é nome dado aos lençóis e outros tecidos estampados pelas mulheres com temas étnicos e da flora da Polinésia. As almofadas e os lençóis da casa dos tios eram muito lindos, até mesmo um garoto como André reparava nas belas estampas, e ele escolheu também um jogo de lençóis para seu próprio quarto, com largas folhas que pareciam samambaias gigantes.
Vovô comprara para a filha brincos de pérola negra, em uma requintada joalheria de Papeete. O menino lembrava-se bem desta tarde. Ele estava entediado, com ar infeliz, entrando e saindo de pequenas saletas cheias de jóias, quando a tia sentou-se com ele e com Marie Anne em um sofazinho confortável e contou a história de Te ufi, a pérola negra.
Os polinésios antigos chamavam o espírito do coral de Okana, e o espírito do sal de Uaro. Havia também um deus da paz, chamado Oro.
A lenda diz que Te ufi é filha de Okana e Uaro, e ganhou de presente dos peixes da laguna sua veste brilhante. Tane, deus da beleza, foi incumbido de vir à terra e seu caminho foi iluminado pelo brilho da veste de Te ufi. Este brilho serviu de inspiração para que ele criasse as estrelas.
Oro desceu do céu deslizando pelo arco-íris e, como presente desta sua viagem ao planeta,  ofereceu Te ufi de presente aos primeiros homens, como símbolo de esperança, e para que cada mulher que recebesse  uma pérola se sentisse tocada pelo amor e concebesse filhos saudáveis.
A pérola negra não é exatamente negra, é escura, tem deferentes tamanhos e tonalidades, é cultivada em cativeiro, nas ilhas Tuamotu e Gamber,  e demora cerca de dois anos para maturar.
- Sabe, tia, eu realmente acho que as pérolas tradicionais são mais bonitas.
- Eu também – sussurrara a tia, como se a confissão a envergonhasse. Afinal, a tia nascera na ilha, descendia de polinésios. – Mas, se você quer dar um presente a alguém, deve levar uma jóia típica, e a pérola negra é exclusiva de nossas águas, por causa do tipo de areia... – e, como as crianças se entreolhassem, a tia perguntara  – Vocês sabem como nasce uma pérola?
- Eu pensava que a ostra botasse pérola, como os pássaros botam ovos ... – começara  a menina.
- Ah, não, é uma espécie de doença que dá na ostra, acho – falara  André.
A tia sorrira e explicara:
- As pérolas se formam quando um grão de areia ou qualquer outro material estranho entra na ostra. Para se proteger, a ostra fabrica uma substância chamada nácar, que é este material brilhante que vai cobrindo o grão de areia até formar a pérola.
A compra das pérolas acontecera antes de partirem para o cruzeiro de barco. E agora já estavam praticamente de partida.
O tio trouxe do mercado favas perfumadas de baunilha. Pierre tinha certeza de que sua irmã apreciaria a lembrança. Ele explicou para as crianças que a baunilha viera das Filipinas, trazidas por um tal de capitão Hamelin em 1848, e se adaptara muito bem ao clima local. Em 1890, alguém tivera a idéia de cruzar estas plantas com outras mudas, vindas do México e das Antilhas. O resultado foi uma planta de fragrância acentuada, muito apreciada no mundo todo, que começou a ser cultivada intensamente desde 1890.
André estava acostumado ao aroma – seu avô trazia baunilha para casa após cada viagem ao Tahiti, e sua mãe colocava estas favas no açúcar e nos doces.
O menino comentou:
- O que eu gostaria de levar comigo era uma bela concha para mostrar lá na escola. No entanto, não farei isto. Se todo turista levar uma concha, logo não haverá mais nenhuma por aqui.- e o menino aproveitou a ocasião para exibir-se um pouco  – Sou um garoto do século vinte e um ecologicamente correto, como o famoso Frances Jacques Cousteau, meu ídolo.
Marie Anne fez uma careta para ele.
- Leve também alguns frascos do monoi, nosso hidratante à base de leite de coco – acrescentou a tia – Minha cunhada faz gostar.
- O monoi que usei este tempo todo era um hidratante? Eu pensei que fosse protetor solar – exclamou o garoto.
- Nós usamos o monoi de muitos modos – comentou a tia – fazemos com ele hidratante, protetor solar e até mesmo bronzeador, mas isto eu não recomendo para você.
Vovô disse que iria até a cidade, para comprar bebidas na destilaria Avatea. Queria levar de presente para seus amigos a cerveja da ilha, a Hinano, e alguns licores de frutas tropicais.
 Embora com saudades dos pais, André relutava em partir. Estava se afeiçoando a Marie Anne, sua amiguinha de brincadeiras, e sentiria falta das lagunas, das flores, dos lugares todos em que se divertira tanto nestas ‘férias de verão em pleno inverno’.
-  Enquanto nós arrumamos as malas, pois amanhã de madrugada seu tio vai nos levar ao aeroporto Faa’a, vocês devem ir brincar lá fora e aproveitar estas ultimas horas de sol – disse a avó, percebendo as lagrimas que ameaçavam escorregar pelas faces do neto.
Assim, Pierre e Marie Anne foram para o jardim.
Tifaifai:
http://www.tahiti1.com/en/indentity/handicraft-tifaifai.htm
pareo:
http://www.ipolynesia.com/pareo/
pérola
http://www.tahitijoias.com/index.php/textos/informacoes/Historia-da-Perola-Negra.html



capítulo 6
A história do mundo, resumida por uma menina polinésia.
‘No princípio, as pessoas (maoris) viviam navegando entre suas belas ilhas com comida farta e clima abençoado. Seus únicos problemas eram moko, o tubarão, e, ocasionalmente, algum vulcão que resolvia explodir.
O povo feliz cantava e dançava todos os dias. Ninguém imaginava que poderia haver alguma outra coisa diferente no mundo até que chegaram os europeus.
Chegaram, gostaram, chamaram o lugar de paraíso e, em seguida, fizeram uma coisa muito estranha: destruíram tudo.
Para sorte dos polinésios, alguns estrangeiros esconderam alguns objetos, fizeram anotações de tudo o que viram e ouviram, e levaram muita coisa para museus na Europa. Assim o pessoal de hoje pode recuperar algo do conhecimento antigo.
Em 1842, a França impôs seu protetorado e, em 1880, propôs ao rei Pomare V a anexação do Tahiti ao território francês.
Como os franceses não pretendiam mesmo sair de lá, e, se saíssem, viriam outros europeus, o que poderia ser pior, os taitianos concordaram e assim, tentam preservar o que restou de sua bela cultura.’
André ouvia a prima e ria, embora ficasse incomodado com a sensação de que os europeus haviam se comportado como selvagens, ignorantes, destruidores de outros povos. Que pena que não houvera nenhum Asterix na Polinésia!
E o garoto, que, bom parisiense, se achava civilizadíssimo e havia chegado de nariz para cima, havia-se rendido ao jeito natural de sentir e estar no mundo. Só observando, sem pressa...apreciando a companhia das outras pessoas. Que, afinal, o seu computador e o seu vídeo game estariam a sua disposição quando ele quisesse. Já as pessoas, principalmente os avós, poderiam desaparecer a qualquer momento, não é?
E, só de pensar em partir, ficava triste. Aí pensava em seus pais e batia uma saudade...
André quase pensou que sentia vontade de voltar para a França, aí se lembrou que, rigorosamente falando, ele já estava na França, pois, atualmente, o Tahiti era território francês. Era engraçado pensar que tanto André com Marie Anne, nascidos em lados opostos do planeta, tivessem a mesma nacionalidade.
- Você não tem fotos de Paris para me mostrar? – perguntou Marie Anne.
E André se deu conta de que, durante o mês inteiro, quase não falara de Paris. Correu ao computador do tio, e, de lá, entrando em suas páginas pessoais, começou a mostrar para a prima sua escola, seus amigos, seus passeios preferidos e muitas outras coisas. E de repente, até a neve voltou a parecer bonita aos olhos do menino.
- Ah! – suspirou Pierre – não há nenhum lugar tão bom como a minha terra.
- Concordo – afirmou Marie Anne.
- Você então também acha que Paris é o melhor lugar do mundo?
- Claro que não, seu bobo. O melhor lugar do mundo é Tahiti Nui.