sábado, 22 de janeiro de 2011

Brincando com o vento e A árvore que cantava

Brincando com o vento.

Apesar de a TV estar ligada, o pai de Paulinho percebeu que o menino estava amuado.
- Que foi, filhão, não está se divertindo?
- Eu só fico aqui sentado o dia todo. Quem se diverte é quem está lá dentro – e apontou para a telinha, onde os garotos do filme estavam correndo na praia, empinando pipa.
O pai olhou pela janela, de onde só enxergava prédios e garagens de prédios, e nenhum espaço onde um garotinho saudável pudesse brincar. O pai nem perguntou pelo videogame, pois Paulinho dizia que os bichinhos da tela, e não ele, é que se divertiam.
- Bem, filho, domingo eu posso levar você para a praia.
- Quero aprender a empinar papagaio.
- Claro, podemos comprar um, na praia mesmo.
- Não é tão legal. Eu quero é fazer eu mesmo meu papagaio. Posso?
O pai pensou na sujeira, nos papéis picados, e coçou a cabeça, indeciso. Lembrou-se de quando ele mesmo era menino, na fazenda do pai, fazendo seus próprios brinquedos, e decidiu-se:
- Está certo. Eu digo do que vamos precisar, deixo dinheiro para você comprar tudo e, sábado pela manhã, faremos o seu papagaio.
- E domingo eu vou-me divertir a valer, como as crianças da TV! – Paulinho bateu palmas, animado – É difícil, pai?
Eu me pergunto o quanto você é capaz de aprender – respondeu o pai.
E, no sábado, bem cedo, a cozinha do apartamento virou oficina. Sobre a mesa, forrada com jornal, havia cola, papel de seda, barbante e varetas de bambu.
- Use a imaginação – disse o pai.
- Amarelo e preto, com uma ‘carinha feliz’. Quero uma pipa risonha, com olhos e boca.
- Como, filho?
O garoto desenhou uma boca em forma de meia lua, dois olhos redondos e duas sobrancelhas com tracinhos retos. Também desenhou uma bolinha para o nariz.
- A gente pode colar os detalhes no papagaio pronto.
- Boa idéia. Você aprende rápido. – elogiou o pai – As varetas estão firmes, e o papel, muito bem colado.
- Presto atenção para manter o papel esticado, senão ele enruga – Paulinho passou a cola cuidadosamente, e dobrou com capricho e paciência cada lado do quadrado amarelo.
Enquanto esperava secar o papagaio, fizeram a rabiola. Paulinho permaneceu concentrado nas explicações do pai sobre os ventos e o equilíbrio, e, curioso, percebeu quantas perguntas interessantes surgiam em sua mente.
Porque que é que o vento existe.
Porque o papagaio voa e a gente, não.
Porque é que...
- Calma, Paulinho! – riu- se o pai.Aprenda uma coisa de cada vez!
- Sou curioso!
- É bom ser curioso. Nós podemos ler nos livros coisas muito interessantes sobre os ventos.
- E que mais?
- Podemos experimentar e descobrir na prática como o vento é.
- Observando eu aprendo que, se não há vento, o papagaio não voa, e, se ventar demais, as varetas se quebram e a rabiola enrola.
- começa a desenvolver novas habilidades: observar, refletir, perguntar...
- Só me sujei um pouquinho. E a mamãe ficará contente, pois a sujeira ficou toda no jornal.
O pai sorriu, lembrando-se do tempo de sua meninice.
- Quando eu tinha a sua idade, filho, fazer papagaio era mais complicado. Nós mesmos é que cortávamos o bambu, com canivete, e a cola que existia na época era uma tal de ‘goma arábica’, um grude que se passava com pincel e melecava tudo em que encostava.
- Como é bom saber fazer as coisas! – exclamou Paulinho. – Podemos colar a carinha? - Acho que já está tudo bem firme e seco.
- Sim. Perceba de quantas maneiras diferentes pode-se fazer a mesma coisa. – disse o pai. – Você poderia ter imaginado outro tipo de cara, uma cara gozada, ou uma cara zangada.
- Estou feliz por aprender a fazer o meu próprio papagaio, por isso este terá uma cara feliz.
- Você é capaz de lembrar-se do que aprende, quando necessário. Ou quando quiser fazer outro papagaio.
- Repetir ajuda a memória, pai. Sabia?
- Quem disse isto?
- Mamãe diz sempre. Eu quero gravar os novos conhecimentos, por isso vou exercitar minhas habilidades com freqüência, quero dizer que vou fazer uma dúzia de pequenas pipas para enfeitar a minha festa de aniversário.
- Aprender a fazer pipas é divertido, filhão! E percebo que você já encontrou novas maneiras de utilizar os seus conhecimentos.
- Eu uso minha imaginação – disse o menino – A mamãe sugeriu que meu bolo de aniversário fosse uma pipa e eu achei genial.
Domingo pela manhã, Paulinho correu pela areia, à beira-mar, até que a pipa subisse bem alto.
- Que lindo papagaio! Tem uma carinha feliz! É bonito! É alegre.Onde você comprou isto? – perguntavam as outras crianças.
- Eu mesmo fiz! – respondia Paulinho, orgulhoso. – E eu posso ensinar a vocês.
E os amigos do Paulinho quiseram fazer uma oficina de papagaios, durante a semana, para que cada um aprendesse a fazer o seu papagaio a seu modo, do seu jeito, com a sua cara.
- Estou feliz porque você está feliz – disse o pai, quando voltavam para casa – Esta manhã de domingo é um momento especial em nossas vidas.
- Estou-me divertindo a valer, papai. E posso ensinar o que aprendi a meus amigos. Todos ficaremos felizes, como os garotos de dentro da TV. – e após refletir um pouquinho, perguntou: - Porque será , papai, que tem gente que vive vendo a vida de mentira dentro da TV quando a verdadeira vida está aqui fora?
Papai coçou a cabeça:
- Este meu filho está-me a sair filósofo...
- Pai, quero ler mais sobre os ventos. Você sempre diz que dentro dos livros há coisas muito interessantes.
- Livros são interessantes. E divertidos. Há uma história sobre o vento que li há muito, muito tempo, sobre um menino que deu a volta ao mundo em um balão. É uma história muito comprida, mas posso contar a você depois do almoço, se você quiser ouvir.
E se você, que me lê, for perguntar a seus pais e avós, ouvira com certeza histórias interessantes sobre as coisas que o vento faz, como em O Mágico de Oz, A Volta ao mundo em um Balão, O Garoto que foi à casa do Vento Norte e tantas outras.
E o vento levou esta história para outros ouvidos... para outros meninos e meninas...

* * * * *

A árvore que cantava

Era uma vez... uma garotinha que voltava da escola com a prima. Vinha de cabeça baixa porque estava procurando sementinhas para chutar. Então...
- Chuvinha de ouro! Chuvinha de ouro!
A prima sacudia de leve o tronco de uma árvore alta de folhas miudinhas, que, ao final da primavera, ficavam amarelas. Centenas de pedacinhos dourados caíram de uma só vez em torno delas.
- Ah, que bonito! – a menina começou a rodar debaixo da chuvarada de ‘ouro’.
A menina ria. A prima ria. Havia no ar perfume de flores. O sol aquecia o mundo agradavelmente e a brisa morna trazia o cheiro do mar.
A menina cochichou para a prima:
- Vou contar um segredo. Essa é uma árvore que canta.
Um som agudo, forte e bem ritmado fez-se ouvir. E a menina colocou a mão no tronco, sentindo o tronco vibrar:
- Ponha a mão aqui assim. Sente. Ela canta.
A prima riu e começou a andar em roda da árvore. E roda daqui, roda dali, encontrou a cantora.
- Olhe, querida, aqui está sua cantora.
- Ai! – a menina pulou de susto. Um inseto do tamanho de sua mão, preto, gordo, de olhos esbugalhados e grandes asas transparentes, tremia fazendo cra cra cra cra cra cra cra cra cra crrrrrrrriiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii....
- Que é isto?
- Uma cigarra.
- É? Agora entendo porque a formiga da fábula não quis dar comida para a cigarra no inverno. Só no jantar a cigarra acabaria com tudo.
A partir deste dia, durante todo o verão, a menina procurava por cigarras olhando cada árvore do caminho. As cigarras se escondiam bem.
Os dias esquentando, as cigarras cantando...que tempo bom!
Certa tarde a menina parou à sombra da árvore que cantava. O ar tremeu quando uma orquestra de cigarras começou o seu concerto, tão alto e tão forte que a menina não conseguia ouvir a própria voz. Ficou ali escutando, vibrando junto, e descobriu que a música cigarra tinha sons de castanholas e de violinos. Tanta cantoria deixava a menina tonta.
Por semanas a menina acordou e adormeceu com o canto das cigarras. Os bichinhos – ou bichões – cantavam e cantavam e cantavam até rebentar. A menina sabia disso porque o pai encontrara uma casca seca de cigarra e mostrara para ela:
- Esta já arrebentou. A cigarra cresce, ‘muda de roupa’ e deixa a casca velha abandonada no tronco.
A menina guardou a casca vazia em uma caixa e levou para a escola, para mostrar para as colegas.
O verão passava, as cigarras cantavam e a menina ficava horas a escutar, a procurar pelas cantoras. Até que um dia...
A menina escutou um som estranho. Demorou para entender que era o silêncio. As árvores estavam mudas. Acabara a época das cigarras.
A menina suspirou:
- Vou ficar esperando pelo verão até ouvir a primeira cigarra cantar. Vou sentir falta da minha árvore que cantava.
E o tempo foi passando.
Até que, em um outro dia, a menina e a prima estavam justamente passando pela árvore da chuvinha de ouro, procurando por sementinhas no chão para chutar. Era divertido. As sementes pulavam e rolavam dando estalinhos. De repente....
Criiiii criiiiii criiiiii......
- Olhe, prima, ouça, a árvore está cantando de novo! – e a menina piscou para a prima, pois ambas sabiam que era apenas um grilo.
A árvore era o palco da bicharada cantora. A menina, porém, sempre podia ‘fazer de conta’.
Faz de conta que, era uma vez, uma árvore que cantava.