terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Glória - romance

Sinopse
Discussão das personalidades dos personagens e de suas opções de comportamento neurótico
Glória de Ricardo Gonçalves

Alzira – mãe
Ricardo Gonçalves – pai
a primeira filha homônima da segunda
discussão ao voltar do cartório com a certidão de nascimento da filha = a primeira Tb houve discussão
a amiga Jane (eu) – a história de Jane – o namorado Boca – a avó – a briga com a mãe etc
a madrinha Fátima – a história do amor recolhido
primeira amiga Hanah – e a troca de jardim de infância
primeiro namorado Rafael Zalc – o prego – o avô bruxo por parte de mãe
segundo namorado Daniel Moscovski (conferir um sobrenome judaico) – o detetive etc
a sessão de caça aos sapos – rabólogo – Alexandre e o caso da mão suja – e da calcinha molhada etc
o marido José (vamos casar – discurso pronto – o primo Alfredo com o papel no bolso prevendo o casamento) – o almoço com o peixe às 4 da tarde – as pirâmides nas hemorróidas
a morte de Alzira – Ricardo casa-se com a madrinha

De como os pais de Mabel se conheceram e da origem de seu nome.

Alzira ouviu com desagrado o assobio dos rapazes, ao contrário das primas, que riram, e cochicharam entre si, animadas com a perspectiva de companhia masculina.
A cena passava-se em Buenos Aires. As três moças, beirando os vinte anos, eram gaúchas; as primas, da capital, Alzira, de Alegrete.
- A gordinha é minha – falou alto o mais baixo dos rapazes, que era também o mais gordinho.
Alzira corou, e virou o rosto para o outro lado, ignorando a chegada dos moços. As primas, por outro lado, forma ajeitando as cadeiras, de modo a fazer espaço para os recém chegados.
- Tu és pícara – comentou o gordinho, piscando os olhos, em um murmúrio somente audível para Alzira, que corou de novo.
Estabeleceu-se logo entre os seis um diálogo animado. Os rapazes eram cariocas, em férias.
As moças, como todas as de sua geração, ansiavam por casar-se, única forma viável de sair de casa, em meados do século vinte. Se quisessem estudar, deviam contentar-se com os cursos existentes em suas próprias cidades, e nisto as primas estavam em vantagem, ou estariam, pois haviam cessado os estudos ao concluir o colegial.
Alzira não era o que se poderia chamar de bom partido: era gorda, sem beleza e sem dote. Seu pai, entre todos os fazendeiros de Alegrete, era o que estava em pior condição, pois dificuldades econômicas o haviam forçado a vender boa parte de suas terras. Além disso, Alzira tinha um talento peculiar para a ironia, sua língua ferina gostava de sátiras e ditos espirituosos. Imitava com talento vozes, gestos e expressões faciais, o que divertia imensamente suas colegas de classe e desgostava seus professores.
Após alguns minutos de conversa, que Alzira aproveitou para desvendar as intenções ocultas de cada grupo sentada nas mesas ao redor, com as mais engraçadas comparações entre o circo e o flerte que pode encontrar, Ricardo Linhares, o moço gordinho, repetiu com satisfação:
- És mesmo pícara, e vou-me casar contigo.
Alzira, moça prática, engasgou. Olhou de soslaio para o rapaz, mantendo-se séria até o final da tarde.
Ricardo era simpático, tinha a pele clara, sem manchas, e, nos olhos claros, a centelha de inteligência que revela um intelecto superior, tão rara nos rapazes de Alegrete.
Ora, Alzira queria casar-se, quando não por outro motivo, porque gostava de crianças e queria ter seus ricos guris. Em Alegrete, nenhum dos companheiros de infância tocara seu coração; além disso, havia a questão do malfadado dote. Ricardo era advogado, bacharel recém formado, porém com perspectivas de um salário não muito ruim. Sua estatura baixa não era empecilho, pois não era mais baixo que Alzira, e, mesmo que fosse, não seria este um defeito tão problemático quanto um espírito obtuso ou uma queda pelo álcool. Sua conversa era atraente, revelando o hábito da leitura e o gosto pelas atividades culturais. Ele respondia rápido aos comentários de Alzira, percebendo imediatamente as entrelinhas de suas insinuações maliciosas. Quando ele solicitou seu telefone, Alzira respondeu que não dava seu número a estranhos, ao que ele retrucou que seria fácil localizar um nome no catálogo telefônico.
O fim de semana foi agitado, os seis jovens usufruíram da agradável companhia uns dos outros em passeios, refeições, espetáculos, sorvetes, até mesmo compras. Ao findar o domingo, todos lamentaram que o Rio de Janeiro fosse tão distante do Rio Grande, exceto Alzira.
Duas semanas depois, seu pai entrava em casa com Ricardo ao lado, vindo para solicitar a mão de Alzira em casamento. Em seis meses estavam casados e Alzira embarcou para o Rio de Janeiro, para espanto e inveja das primas.
A primeira filha do casal chamou-se Maria Isabel, nome escolhido por Ricardo em homenagem a sua avó materna. Se fosse menino, seria Rodrigo, nome do personagem preferido de Alzira em O Tempo e O Vento, romance gaúcho muito em voga na época.
Ora, ao voltar do cartório, Ricardo mostrou a Alzira a certidão da criança: Maria Isabel de Ricardo Gonçalves.
- Mas o que é isto? E o meu sobrenome?
- É minha filha – explicou o orgulhoso pai – por isso é Maria Isabel de Ricardo Linhares.
- É minha filha também. Que loucura é esta, homem? Como se a guria fosse assim uma espécie de propriedade tua?
Mas a discussão ficou por aí. Uma enfermeira entrou avisando que a pequenina sofrera uma convulsão súbita e acabara de falecer.
Sete anos depois Alzira concebeu novamente. Esta sua gravidez foi toda cercada de atenções especiais: comida a mais saudável possível, consultas com o melhor obstetra da cidade, nenhuma contrariedade. Ricardo vinha para casa cedo para garantir o sono tranqüilo da esposa. O casal, que convivera sete anos em harmonia, nunca estivera tão afetivamente unido como então, até o dia do nascimento da nova garotinha, que recebeu, como a primeira, o nome de Maira Isabel.
Maria Isabel de Ricardo Linhares.
- De novo esta maluquice? – explodiu Alzira, furiosa. – De novo este maluco do meu marido excluiu meu sobrenome do nome de minha filha!
- Amada minha, será mesmo necessário discutir por este pequeno detalhe? Afinal, eu vou cuidar desta criança com a maior dedicação, carinho e respeito; vou desdobrar-me em cuidados para garantir a ela a melhor educação possível e continuarei a fazer o que estiver a meu alcance para ser o mais atencioso dos maridos. Não basta para você? – dizendo isto, Ricardo deixou o quarto. Quando ele retornou, ao final da tarde, Alzira não tocou no assunto nome, convencida de que o mal já estava mesmo feito, e havia coisas bem mais importantes do que este capricho inexplicável do marido. Ela tinha em mãos um bebe saudável; eram um casal feliz por ter um recém nascido vivo, após a morte da primeira e mais sete anos de espera. Alzira, sendo uma mulher sensata, escolheu valorizar as atitudes positivas de seu marido, dando de ombros para sua original vaidade.
Anos mais tarde, quando Mabel perguntou aos pais pelo seu nome singular, e descobriu que era, em realidade, homônima da falecida irmã, comentou:
- Bizarro.
Prática como sua mãe, Mabel não deu maiores atenções ao fato. Quando indagada pelos colegas a respeito de seu sobrenome, apenas dava de ombros e comentava:
- Isto é coisa lá do meu papai.








De como a autora decidiu escrever o primeiro capítulo.

Recentemente eu estava lendo as anotações que fez Monteiro Lobato na cadeia, sobre um novo romance que pretendia escrever, suprimindo todas as passagens que os leitores normalmente pulam. Genial, não é mesmo? Bem, talvez eu faça isto, mas, primeiro, terei de escrever todo o texto, entregá-lo para vários leitores, e pedir que marquem aqueles trechos que acharam redundantes e então, cortá-los do original. Mas eu estava me referindo ao primeiro capítulo, ano é mesmo? Voltemos, pois, ao tema.
Pois existem varias maneiras de escrever-se uma história, sendo o processo todo, é claro, exatamente igual: você escreve a primeira letra e a ultima. No meio, recheia-se o texto com palavras. É claro, esta frase é uma variação do dito de Pablo Neruda: Escrever é fácil: você começa com maiúscula e termina com um ponto final.
O fato é que, nesta história em particular, minha opinião: conhecer a personalidade dos pais é fundamental para entender a personagem principal. E a maneira como eles mesmos contam como se conheceram foi, pelo menos para mim, bastante reveladora.
Isto posto, podemos voltar a nossa história.

















Dos primeiros anos da herdeira de Ricardo Linhares, sua singular educação e uma lacuna em sua educação, a não socialização com seus iguais.

Mabel não teve uma infância normal. Para começar, não teve contato com seus parentes.
Ricardo sofreu sérios reveses financeiros, e recebeu uma boa proposta de trabalho, em Buenos Aires. Assim sendo, Ricardo e Alzira foram morar na Argentina, com a filhinha recém-nascida, e aí permaneceram por oito anos, morando em um hotel.
Para a família, tal arranjo era justificado por ser uma situação provisória, mas, na realidade, vinha de encontro ao nenhum apego de Alzira para as tarefas domésticas. De fato, durante os primeiros anos de casada, Alzira queimava regularmente a comida, bem com as camisas do marido, exibindo um rosto sulcado por culpadas lágrimas quando este chegava do serviço e encontrava o desastre consumado. Após algumas semanas, Ricardo optou por comerem fora todos os dias e contratou uma criada por meio período, para a execução das pequenas e enfadonhas tarefas domésticas, o mesmo arranjo que utilizara em solteiro, já que o que realmente lhe importava era ver o rostinho de sua amada esposa risonho e seu humor, o mais satisfeito possível.
Voltemos a Maria Isabel, a segunda.
A garotinha era muito bem tratada, costumava adormecer cedo, e seus pais tinham o hábito de deixá-la sozinha no quarto enquanto desciam para jantar, no próprio hotel. As camareiras do andar, sabedoras do arranjo, evitavam falar alto nos corredores para poupar o sono da criança, e até empurravam seus carrinhos mais delicadamente neste horário. Esta fórmula não apresentou nenhum problema durante os quatro primeiros anos. Então, em uma particular noite, um choro forte, ou melhor, um berreiro infernal alarmou a todos. Chamados às pressas, Ricardo e Alzira encontraram uma assustada menininha, em prantos, chamando por papai e mamãe. A partir de então, a garotinha passou a jantar mais tarde, em companhia dos pais, que até se aventuravam a comer em outros locais, para grande alegria do casal.
Alzira, que estudara para ser professora, embora nunca houvesse exercido a profissão, ensinava à filha tudo o que poderia ser ensinado em uma pré-escola e até mais, pois aos quatro anos Mabel lia perfeitamente e ensaiava escrever as primeiras letras; sabendo também declamar de cor várias poesias e pequenas histórias que sua mamãe lhe ensinava. Não tendo mais o que fazer, nem amigas a visitar, e, gostando imensamente de sua profissão e de sua filha, Alzira fez um excelente trabalho com a menininha.
Este singular casal, centrado em si mesmo, parecia não fazer a menor questão de freqüentar grupos de amigos, e não se preocupavam com o fato de que a filha não tivesse companhia para brincar. Não viam nenhuma vantagem em fazer amizade com portenhos, nem queriam que a garota convivesse com crianças que não falassem português.
Quando voltaram ao Brasil, desta vez instalando-se na cidade de Santos, estado de São Paulo, onde também não tinham nenhum conhecido, mas onde havia excelente perspectiva de ganho financeiro para Ricardo, , procuraram casa no melhor ponto da cidade, o bairro chamado Gonzaga, e, é claro, no orla da praia, pois, na opinião de Alzira, e seu marido concordava com ela, aparência é o princípio de tudo,
Como Ricardo não estivesse assim tão bem de finanças, procuraram sem sucesso uma boa casa nestas condições. Como Alzira não abrisse mão do bairro, entre uma boa casa na periferia e um pequeno apartamento no Gonzaga, ficaram com este último. Não podendo arcar com um condomínio alto na orla da praia, conseguiram um prédio a duas quadras da praia, de onde, da sacada, por uma fresta entre dois prédios em frente, podia-se ver uma faixa da praia. Era o bastante para satisfazer o critério de sinceridade de Alzira. Agora ela poderia dizer, tanto para a família quanto para as outras mães da escola da filha, que, de sua residência no Gonzaga, podia-se ver a praia. Que esta residência fosse um apartamento de um quarto, e que a vista limitava-se a uma nesga da paisagem, eram detalhes que Alzira não precisava comentar, e, neste sentido, instruiu igualmente a filha.
No apartamento realmente minúsculo, a cozinha mal comportava um fogão e uma geladeira; colocaram uma boa mesa de refeições, com quatro lugares, na sala. Para complementar, em frente ao móvel da televisão, um sofá cama, que, à noite, se transformava na caminha da filha.
Um varal, acoplado à mini cozinha, recebia o apelido de área de serviço, porém as roupas da família eram enviadas semanalmente para uma lavanderia. Desta forma, o aprendizado das prendas domésticas não fez parte da educação desta particular moça de boa família. Uma faxineira vinha uma vez por semana limpar o minúsculo ‘apertamento’, cujo local mais freqüentado, era a varanda, pois dali recebiam ar fresco, sol e notícias das vizinhanças, sendo a espionagem o passatempo preferido de Alzira.
Mabel foi admitida em uma escola passando com louvor no exame de admissão.
A escola, como pesquisaram os pais, era a mais conceituada escola para moças de boa família da cidade.
Ora, na escola, Mabel imediatamente afeiçoou-se a uma garotinha, com quem passava todos os momentos livres, brincando juntas antes e depois das aulas, dividindo os lanches no recreio, estudando juntas para as provas, chamando-se uma à outra de minha melhor amiga, até o dia em que Ricardo descobriu que seu nome não era Ana, como pronunciava Mabel, e sim, Hannah. Sim, a garotinha era judia. E daí?
Bem, daí, Mabel não entendia o porquê, nem Alzira, esta amizade era impensável. Tendo se manifestado contra este relacionamento, Ricardo foi ao colégio pedir a imediata expulsão de Hannah, no que, evidentemente, não foi atendido. O pior, para Mabel, é que todas as colegas da classe ficaram sabendo da história, começando a chamá-la de nazista, fosse lá isto o que fosse. Pesquisando, Mabel aprendeu muita coisa sobre alemães e um conflito mundial chamado segunda guerra, Hitler e outras barbaridades mais. O que não fazia nenhum sentido, pois ela era brasileira, e seu pai nem era alemão!
O fato é que Ricardo retirou a filha da escola e matriculou-a em outra, a segunda melhor escola de Santos para moças de boa família, com a devida recomendação de que, dali por diante, escolhesse com mais cuidado suas amizades.
Em lágrimas, Mabel despediu-se de sua melhor amiga e passou a odiar o pai.











Dúvidas do autor sobre a melhor maneira de como terminar este romance, pois, sendo o autor também enxadrista, sabe que no primeiro lance, já está contida a semente da vitória – ou da derrota – enfim, o final, qualquer que seja ele.

Li certa vez em um livro de Mark Twain, creio que foi em As aventuras de Tom Sawer, que o autor deve saber o momento de encerrar sua história, o que acontece, na maioria dos romances, com o casamento, e, quando se trata de crianças, em algum momento marcante, antes da adolescência.
Como a historia de Mabel se propõe a ser um estudo de personalidades, sendo Mabel mulher, e, sendo romântica, eu poderia adotar o critério casamento para finalizar este relato. Pois em uma história, o casamento, quando não expressa a consumação de uma paixão, ao menos esclarece outro objetivo prático sobre o qual a sociedade finge não dar importância, qual seja o de estabelecer uma posição social para a mulher.
Porem, sendo Maria Isabel fruto do século vinte, filha de pais inteligentes, educada por uma mãe que a orientou para a autonomia e não para o parasitismo, talvez eu prolongue um pouquinho mais a história, para esclarecer a correta perspectiva de vida desta singular figura feminina, cuja trajetória pelo planeta colidiu com a minha de forma significativa.


















As estratégias de vida de Mabel.
Maria Isabel lia muito. Surpreendeu as professoras do colégio com suas notas altas, apesar de sua formação não ortodóxica – lembremos que, naquela época, não havia a possibilidade de educação em casa, supervisionada pelo estado, como hoje.
Meus melhores amigos são os livros, dizia ela, com medo de envolver-se em amizades que pudessem desgostar o maluco do pai. Assim, ao atingir a idade em que lhe foi permitido sair à rua desacompanhada, saía de casa sozinha, encontrando os amigos em algum outro lugar, previamente combinado, longe dos olhos curiosos dos genitores.
Maria Isabel não gostava de perder. E não queria tornar a perder pessoas importantes como amigos. Assim, não falava de suas relações com os pais, não convidava pessoas para sua casa, exceto em seus aniversários, quando convidava toda a classe, para que o pai não pudesse saber quais suas companheiras preferidas, que, por sinal, eram relegadas a segundo plano, tão logo ultrapassavam a soleira da porta. Mas como Mabel as avisava antes do problema ‘o maluco do meu pai ciumento que não quer me dividir com meus amigos’, as amigas sorriam, e compartilhavam do jogo.
Mabel percebeu logo cedo que autonomia era decorrência de independência financeira, ou, em palavras mais simples, se uma pessoa tem dinheiro suficiente para se manter, é livre para viver do jeito que preferir, caso contrário, tem de ceder aos desejos dos outros, dos que a sustentam.
Assim, ela resolver ter uma profissão que lhe permitisse ganhar bastante dinheiro, para viver com razoável conforto. Herdara da mãe o gosto pelo luxo, e, do pai, a vontade de comandar. Como tinha bom coração, e se importava com as outras pessoas, escolheu medicina, profissão instigante o suficiente para manter sua mente ocupada, não caindo na monotonia de outras profissões não intelectuais.
Maria Isabel não era fútil, nem superficial, nem preguiçosa. Vaidosa, sim, mas nada exagerado. Gostava de boas roupas, cuidava de sua aparência, acreditando que a beleza interior contava, sim, mais que a exterior, e jamais participaria de desfiles de modas ou ensaios fotográficos, nem planejava ser incluída nas colunas sociais dos jornais da cidade, como muitas de suas colegas. Ria de coisas como nome de família e árvore genealógica, mas ria por dentro, sabendo muito bem da importância de não ferir os sentimentos de gente importante como os pais de suas colegas de classe, que, no futuro, talvez pudessem destruir sua carreira com um comentário idiota sobre aquela garota arrogante que estudou com minha filha... ou coisa que o valha. Mabel aprendera muito bem com a mãe a cultivar as aparências, mesmo que não acreditasse nelas. Havia gente que valoriza as aparências e uma pessoa socialmente inteligente pode tirar proveito deste fato simples. Ponto.
Houvera o exemplo, muito elucidativo, do médico do governador do estado, consultado por muitos socialites da época simplesmente porque era chique ser cliente do mesmo médico que o governador. Pois bem, um belo dia, o sujeito se envolveu em uma morte por imperícia, e descobriu-se – pasmem – que o camarada não tinha diploma de medicina nem de cosia nenhuma, era mesmo um descarado charlatão! Ah, a cara de bobo do governador, a cara de bobos de todos aqueles socialites... Bem, se uma pessoa aparenta ser importante, os ricos e poderosos vão responder à sua aparência, e tratar esta pessoa como se importante fosse. Claro, se a pessoa em questão estiver respaldada por um diploma, for inteligente, enfim, se além de parecer, for importante, melhor. Agora, se a pessoa, sendo assumidade em qualquer assunto, for também humilde, estará ferrada, como se dizia na gíria da época, poderá até ganhar o Nobel, mas não receberá convites que a coloquem em contato com pessoas influentes.
Assim fica esclarecido que Mabel acreditava em metas e em sucesso programado. Entrou no jogo da vida para vencer, o que, para ela, significava ganhar sua própria liberdade, após os dezoito anos, com um diploma que lhe garantisse a subsistência e uma profissão que lhe garantisse uma posição social importante. Daí a poder escolher amigos e marido, era conseqüência. De quebra, viagens, dinheiro, poder, não sendo o objetivo principal, constituíam vantagens adicionais a serem devidamente apreciadas. Respeito próprio adivinha do fato de ter escolhido uma atividade útil.