domingo, 1 de setembro de 2013

livro infantil: O clube da amizade (ou: como se brincava no século XX)

O CLUBE DA AMIZADE



capítulo I

                As meninas do 2°B estavam agitadíssimas. Não paravam quietas nas cadeiras, davam gritinhos à toa, riam - se muito e tagarelavam como papagaios. A causa de tamanho alvoroço era ser aquele o último dia de aula.
                Pensar nas férias de verão, como muito sol, praia, viagens e brincadeiras mil deixava as garotas felizes. Bem, quase todas.
                A um canto, Ritinha permanecia bem quieta, com olhos grandes e tristes. E não era por ter repetido de ano, aliás ninguém repetira de ano naquela classe, e a medalha dourada pendurada em sua blusa revelava que ela passara em primeiro lugar.
                O motivo da tristeza de Ritinha era bem simples : filha única, sentia - se a única criança da classe a não ter irmãos ou primos com quem brincar. Férias, para ela, eram longos dias solitários a ler histórias e a cuidar de seus bichinhos de estimação. E ela gostava tanto de companhia!
                - Meninas! Meninas! Vocês querem sair mais cedo para o recreio ? - perguntou a professora.
                Um sonoro “Queremos!” foi a resposta.
                - Então façam silêncio. Ou do contrário ficarão dez minutos a mais em classe, fazendo cópia.
                A algazarra cessou como que por encanto.
                - Se vocês ficarem bem quietinhas para ouvir uma história, sairão dez minutos mais cedo.
                Ninguém se enganou com a “história”. Era o truque que a professora Regina usava para tornar os pontos de História do Brasil mais interessantes. Ela era uma excelente professora, que transformando a matéria em teatrinhos e canções, tornava mais fácil de memorizar até a lição mais difícil.
                Morar em Santos tinha as suas vantagens. Como a história da Baixada Santista estava muito ligada a fatos importantes da história do país, as crianças sentiam orgulho de sua cidade e sentiam curiosidade em aprender sobre Brás Cubas, a Marquesa dos Santos, José Bonifácio e todos os demais vultos históricos da região.
                Aquela tarde a professora Regina leu poesias de Vicente de Carvalho, o poeta do mar. Não fazia parte da matéria do 2°ano, mas era o último dia letivo, a poesia era bonita, e, na opinião da professora, cultura nunca era demais.
                - Eu vou ser poeta - disse a Sonia - Até já escrevi uma porção de versinhos.
                - Como minha mãe - disse Marisa - A professora sabe que a minha mãe é poeta ?
                - Poetisa - corrigiu Da  Regina - O feminino de poeta é poetisa. Pois eu gostaria que vocês duas viessem aqui na frente e lessem para nós. Você, as suas poesias. E você, as de sua mãe.
                - Vou ler uns versinhos que fiz agora mesmo _ disse a Sonia. E leu :

                “As férias estão chegando
                Para casa vou cantando
                Quero ir à praia nadar
                Quero ir brincar no mar”

                - Muito bem, você leva jeito - comentou a professora.
                - A minha mãe quer juntar todos os poetas da cidade em uma espécie de clube. - contou Marisa -Uma Associação.
                Ritinha aprumou - se na carteira ao ouvir a palavra “clube” e começou a sorrir. De repente, até ela estava inquieta, a olhar a todo instante para o relógio de parede a contar os minutos que faltavam para o recreio.
                Em que será que Ritinha estava pensando ?





capítulo II

                - Desçam as escadas em silêncio, para não atrapalhar as outras classes. Algumas ainda estão em provas - avisou a professora - E não gritem até soar o sinal do recreio.
                As meninas obedeceram, de passos rápidos e olhinhos brilhantes. Ritinha levava lápis e caderno e fazia para as amigas sinal de “preciso falar com você” , sinal que entre elas consistia em dois gestos sucessivos de apontar, para a própria pessoa e para a outra, diversas vezes seguidas.
                No pátio do colégio, as alunas se dispersaram. Os grupinhos sentavam - se no chão, nos bancos, nas escadas, conforme o gosto de cada um.
                O grupo de amigas de Ritinha empoleirou - se nas escadas do anfiteatro de arena. As meninas começaram a desembrulhar os lanches e a reparti - los entre si. Ritinha afastou seu bolo para o lado e pegou o lápis :
                - Quero o telefone e endereço de todas. Tive uma idéia genial. Vamos fundar um clube de férias. O Clube da Amizade.
                - Para que ? Já vou todo domingo no clube- disse Vera
                - Todo mundo já tem seu próprio clube - disse Viviane. -Para que mais um ?
                - Acho que vocês não entenderam. Não é um clube com piscinas e quadras de tênis. É um clube de brincar. A gente fala com nossos pais. A minha mãe eu tenho de certeza que concorda. A primeira reunião do clube pode ser em minha casa, na tarde de sábado, mamãe faz um lanche para nós e eu organizo uma visita ao meu zoológico. Que tal ?
                - E o que mais a gente faz ?
                - O que a gente quiser. Uma festa do sorvete, um campeonato de jogos, um baile a fantasia, um teatro, o que pintar.
                - E vai ser sempre na sua casa ?
                - Também pode ser na minha - disse a Maria do Sameiro, filha do dono da confeitaria - Tenho certeza de que mamãe concorda.
                - Ôba ! - gritaram as outras crianças.
                Lanche em casa da Sameiro era lanche de confeitaria, com pães doces, geléias, balas de frutas e bolo de chocolate com nozes.
                - Lá em casa também pode , com certeza - falou Lúcia - O quintal é bem grande com parquinho e muitas árvores.
                - Que pena, eu vou viajar - suspirou Marisa - Estou fora.
                - Mas quando você voltar, telefone para a gente. Você vai ficar fora o verão inteirinho ? - perguntou Vera.
                - Ainda não sei.
                - Pois quero de cada uma de vocês duas fotos, para fazer uma carteirinha igual a dos clubes de verdade - continuou Ritinha.
                - Só uma basta - lembrou Viviane -Você não precisa guardar a outra na ficha da secretaria, como em um clube de verdade.
                - Está certo.
                E assim ficou combinado. A primeira reunião do clube seria no domingo à tarde, na casa da Ritinha, que confirmaria por telefone com as amigas.
                E assim, todas as garotas do 2°B entraram em férias de coração alegre, até a Rita, que agora teria companheiras para brincar.












capítulo III

               

                Rita gostava muito de bichos e criava uma porção deles. Também colecionava conchas, penas, pedras, sementes e organizara na garagem de sua casa um museu de História Natural.
                Agora ela dava os últimos retoques na arrumação das prateleiras. Organizara fichas, cartazes, tudo limpinho, arrumado e colorido para o programa de sábado : visita ao zoo e museu da Rita.
                Quase todas as garotas haviam confirmado : Sameiro, Vera, Sonia, Viviane que viria com a irmã, Vanessa, Fátima, Selma e Marilda. Marisa ia viajar e Mônica morava longe.
                E o melhor : os pais haviam dito para fazerem um rodízio, cada reunião em casa de uma, para não “pesar”  para ninguém. Afinal, lanche para dez, e agüentar a saudável barulheira, não seria fácil!
                As meninas chegaram às três horas.
                Em primeiro lugar, a visita ao “zoológico”. Rita mostrou os peixes :
                - Esses peixes são acará - bandeira. Não podem ficar junto com outras espécies porque são peixes de briga. Neste outro aquário temos um casal de beijoqueiros, um casal de peixes japoneses, esses vermelhos, e os pequenininhos coloridos são os néons.
                - Eu já peguei peixinhos no canal com meu irmão - disse Vera -É divertido. Vocês sabem como se faz ?
                - Eu sei! - disse Sonia - A gente fura uma lata, prende com barbante e joga lá do alto da ponte para dentro do canal.
                - Que nojo! Vocês entraram nas águas sujas do canal ? - Fátima fez uma careta.
                - Claro que não! - disse Sonia - E porque nojo ? É água do mar...
                - Água salobra - lembrou Vera  - Mistura de água do mar com águas do mangue do rio Cubatão.
                - Mas como vocês pegam os peixes ? - quis saber Sameiro - Como é que eles entram na latinha ?
                - É que a gente prende um pedaço de pão no fundo da lata. A lata afunda no canal, os peixes entram para comer o pão e então a gente puxa a lata. São bem coloridos, de várias cores e duram muito tempo. Um até deu cria lá em casa - disse Vera.
                - Peixe põe ovo - falou Fátima.
                - Esses não põe. Nascem peixinhos assim pequenininhos - disse Sonia.
                - E se a gente fizesse uma pescaria no canal ? - propôs Marilda.
                - Nem pensar. Que nojo ! - fez Fátima.
                - Não sei que meus pais iriam concordar - disse Lúcia.
                - Vamos continuar a visita ao zoo, gente ? Agora vamos ver as minhas tartaruguinhas do ria Amazonas...
                - O meu irmão tem uma igual - disse Vera - Ele usa os peixinhos que pega no canal para alimentar a tartaruga. É engraçado vê- la caçar os peixinhos.
                - As minhas comem alface - explicou Rita - Às vezes mamãe dá uns pedacinhos de carne crua para elas.
                - E que outros bichos você tem ? - perguntaram as amigas.
                - Vamos lá fora. Vocês vão conhecer meus periquitos australianos e meu papagaio.
                As crianças gostaram do papagaio. Ele gritava : “Socorro!”, dava risadas, cantava “ai, ai,ai ,ai , tá chegando a hora...” e “parabéns a você”, pedia café, pedia água, pedia comida, imitava assobios e campainha e ainda contava até dez.
                - Currupaco papaco! Louro tá com fome! Louro quer café com pão! Lá, lá ,lá...
                As meninas não se cansavam de brincar com o papagaio. Até brincariam mais, se a mãe de Rita não interviesse:
                - Crianças, não cansem o pobre louro. Vão ver os esquilos, agora, deixem o Mickey  descansar.
                Aquilo foi uma risada só. O Mickey! Pois isso lá era nome de papagaio ?
                - Você tem esquilos? Quero ver ! - pediu Sameiro.
                - São hamsters.
                -São o que ?
                - Hamsters. Esquilos do Líbano. Não tem rabo peludo como os serelepes - explicou Rita.
                - Que serelepes são esses ?
                - Serelepe ou caxinguelê é aquele esquilinho  dentuço de rabo muito peludo que a gente vê nos filmes e nas gravuras.
                - Eu nunca vi - disse Vanessa,
                - Pois eu tenho uma foto aqui - mostrou Rita, folheando um livro de animais na estante da garagem.
                Mas as meninas estavam mesmo interessadas em pegar os bichinhos. Haviam vários : brancos, cor de creme, marrons e malhados, em um grande viveiro com duas rodinhas semelhantes às rodinhas dos parques de diversões.
                - Eles brincam de rodinha!
                - Eles fazem cócegas na mão.
                - Como eles tremem!
                - Eu faço criação - explicou Rita - Quando nascem muitos, eu vendo para uma loja de animais, quer dizer, o meu pai vende.
                - E quanto custam ? Vou querer um.
                - O que é que eles comem ?
                Todas as meninas quiseram alimentar os esquilos e todas queriam um casal para levar para casa.
                - Às vezes um deles foge - contou Rita - Aí é uma confusão. Um entrou na cozinha e roeu uma porção de coisas. Outro entrou na gaiola do papagaio e o Mickey gritava, pendurado de cabeça para baixo : “socorro!”
                Rita tinha ainda uma gata e um cachorro.
                - Puxa, você gosta mesmo de bichos - comentaram as amigas.
                - Tanto gosto de animais como de tudo na natureza. Até organizei um museu ali naquela estante, venham ver - convidou Rita.
                - Porque você separa as conchas assim ? - perguntou Sameiro _ E o que são esses papeizinhos ?
                - Pois esses papeizinhos são os nomes das coisas - explicou Rita - Cada concha, cada pedra, tem um nome, e quando eu não sei o nome, eu separo e vou procurar nos livros.
                - Nosso trabalho de folhas! - exclamou Viviane - Por isso você quis ficar com ele!
                As meninas haviam feito na escola , em grupo, um mostruário com os diferentes tipos de folhas. É claro que o grupo da Ritinha tirara a nota máxima.
                - Eu fiz um outro mostruário com flores secas - mostrou Rita - Vejam!
                - Rita, isso é ouro mesmo ? De onde você trouxe isto ? - perguntou Lúcia, pegando uma pedra.
                - De um garimpo de Goiás. Também trouxe esta drusa de ametistas .
                - Puxa! Você entende mesmo ! Aposto que vai ser cientista. - falou Viviane.
                Neste instante, a mãe de Rita chamou da cozinha :
                - Rita, o lanche está pronto . Traga suas amigas para a cozinha.
                As meninas foram para casa cantando :

                “É hora do lanche, que hora tão feliz
                queremos biscoitos São Luiz...”

                É claro que, antes de comer, todas aquelas esfomeadas meninas tiveram de lavar as mão muito bem lavadas. Haviam pego em pedras, esquilos, penas, tartarugas...
                Da Mirtes, a mãe de Rita, serviu leite gelado, suco de laranja, sanduíche de queijo e bolo de chocolate. Não sobrou nem uma migalhinha para contar história.
                - Estava uma delícia, Da Mirtes.
                - Da Mirtes, o seu lanche estava muito gostoso.
                - A sra quer que ajude a lavar a louça ? - perguntou Fátima, que era muito, mas muito bem educada.
                - Não, obrigada - respondeu Da Mirtes, para alívio das outras nove crianças, que, no fundo, não faziam questão de serem tão bem educadas assim. - Vocês podem voltar às brincadeiras.
                - Venham ao meu quarto - chamou Rita - Venham pegar as carteirinhas.
                Com muito capricho, Rita cortara retângulos de cartolina e escrevera à máquina :

            “Clube da Amizade
               
                    fundado em 19...
                    nome do sócio : ....
                   data de nascimento:....
                   validade : eterna.”           

                Em cima, à direita, havia um quadradinho para a foto, como nas carteirinhas de verdade. E ela encapara as carteirinhas com plástico, também !
                - Que capricho ! - disseram as prós.
                - Que frescura ! - disseram as do - contra.
                - Meu pai vem me buscar às sete - disse Sameiro - Ele disse que a próxima reunião do clube pode ser lá em casa. Nós temos piscina, vocês levam maiô, e a minha mãe vai fazer um churrasco para o almoço, mas é para vocês ficarem até a tarde, é claro.
                - Eu queria que fosse lá em casa _ reclamou Lúcia.
                - Uma vez de cada. - falou Sameiro. - No próximo sábado é lá em casa. Podem chegar lá pelas dez.
                Um toque de campainha soou.
                - É a  mãe da Sameiro - disse Da Mirtes - E o pai da Selma também já chegou.
                Logo chegaram os outros pais, e em meio a alegres cumprimentos, acabou - se a primeira reunião do Clube da Amizade.



capítulo IV


                Na segunda - feira o telefone tocou na casa de Rita.
                - Rita ? É a Viviane.
                - Oi, Vi.
                - Estou com vontade de fazer um teatro, mas, olha, é segredo. Você vem aqui em casa ensaiar a gente. Eu pensei na peça Os três desejos. A Vanessa de fada, meu irmão de lenhador, eu de mulher do lenhador. Aí no dia em que a reunião for aqui em casa a gente apresenta a peça, de surpresa.
                - Que legal ! Mas e eu, não faço parte da peça ?
                - Você dirige. Vê os cenários, as roupas, o som, que você entende dessas coisas.
                - Eu ?
                - Você entende de tudo. Até de escrever o texto.
                - Adaptar o texto, você quer dizer. Bem , com o texto tudo bem. Tenho até um livro do Mundo da Criança que ensina como se faz um texto para teatro. Mas as roupas... não dá.
                - Minha mãe diz que ajuda.
                - Bom, aí é outra coisa. Melhorou.
                -Venha aqui hoje.
                - Tá. Vou avisar minha mãe.
                E desligou, sonhadora. Escrever um texto de teatro ... que idéia demais! As férias não seriam nem um pouco monótonas. Que idéia formidável a de formar o clube!
                E Rita foi fuçar no Mundo da Criança
                - Mamãe, a Viviane quer fazer uma peça de teatro, aquela dos três desejos do Lenhador. Você me ajuda a adaptar o texto ? Posso ir até a casa dela ?
                - Claro, claro, amanhã eu cuido disto. Pode sair depois de cuidar do seu zôo.
                Pois cuidar de tantos bichinhos dava um trabalho danado.
                Logo após o almoço, Ritinha foi de bicicleta até  a casa de Viviane, que morava bem perto.
                Passou pela frente do colégio, agora fechado e silencioso e por uma porção de lugares : a barbearia, a farmácia, o sapateiro, o armazém. Finalmente avistou a casa da amiga.
                - Entre logo - foi dizendo Viviane, animada.
                A mãe de Viviane, Da Carolina, era uma mulher alegre, loira e risonha. Em mocinha, trabalhara em teatro amador e fôra ela que tivera a idéia de fazer a peça.
                -A garagem dá um palco ótimo. - disse Viviane - Mamãe vai pendurar uma cortina aqui e aí ficamos separadas da platéia. E este pinheirinho de Natal, neste vaso grande, está perfeito para a árvore que o lenhador vai cortar.
                - Eu tenho uma fantasia de fada - disse Vanessa - Com asas e tudo, que usei no Carnaval passado.
                - Foi esta fantasia que me deu a idéia - comentou Da Carolina - Rita, você tem um gravador pequeno, desses sem fio ? Aí gravamos o grito da árvore, canto de pássaros para as cenas da floresta, e música de fundo para os outros atos.
                - A minha mãe vai ajudar com o texto - disse Rita - Até já encontrei no Mundo da Criança um texto quase todo pronto sobre esta história.
                - É preciso muito exercício, sabe, exercício de teatro, de voz, de corpo, de personagem, é como brincar de faz de conta.
                - E se a gente pendurasse samambaias nas paredes para criar um clima de floresta ?
                - E como grudar a salsicha no nariz do Pedro ?
                - O Pedro já é narigudão, mesmo.
                - Não falem mal do meu nariz - protestou o menino.
                - E a gente precisa de um cartaz bem grande, como nos teatros de verdade.
                - Vamos pintar um. Enorme.
                - Tem um cavalete lá no escritório. A gente coloca o cartaz nele.
                E, planos após planos, a tarde passou rapidamente.
                Seria duro guardar segredo até o fim do verão...




capítulo V



                O domingo na casa de Sameiro começou cedo.  O pai dela exigiu que todas as meninas colocassem bóias de braço, mesmo as que sabiam nadar, pois a piscina era funda. Havia um escorregador que fez a festa. foi um tal de escorregar e mergulhar, escorregar e mergulhar... Que delícia!
                Os primos de Sameiro , três garotos e duas garotas, trouxeram barcos e colchões de bóia e o tio dela trouxe um violão.
                - É para as horas de sol forte - explicou ele.
                Um violão para as horas de sol forte ?
                - Mas o violão só faz sombra para um - comentou Marilda, sem entender.
                Havia kafka e lingüiça além dos tradicionais espetinhos e também batatas fritas, maionese , arroz e frutas.
                Depois de comerem até fartar, todas sentaram - se à sombra de um quiosque e o tio Felício trouxe o violão.

                “Pegue a esteira e o seu chapéu
                Vamos para a praia comer pastel
                Piririri pópópópó...”

                As crianças bateram palmas e começaram a dançar e a cantar. Chegara a hora do sol forte.
                - Vamos fazer um campeonato de música ? - sugeriu o tio Felício _  Vocês se dividem em dois grupos e escolhem as músicas. Eu toco. O outro grupo tem de dizer o nome da música e do compositor.
                Adultos e crianças divertiram - se a valer, e assim, entre sol, água e cantoria passou - se o dia.
                Claro que à tarde houve o esperado lanche com pães doces, geléias e bolo de nozes. E o pai de Sameiro ainda distribui um saquinho de confeitos para cada uma à hora da despedida.
                - Sábado próximo é lá em casa - falou Lúcia. - Vamos ter uma tarde artística. Levem tintas, pincéis, cola, tesoura e roupas velhas.
                E foi mesmo uma tarde artística. À sombra das árvores, o pai de Lúcia armou uma mesa de tábuas para as meninas apoiarem seus cavaletes e telas.
                - Eu trouxe gesso e molde para fazer umas estátuas - falou Sonia - E também uns versinhos para ler para vocês.
                - Versos seus ? Que legal !
                - Fiz um para a Ritinha, escutem só :
                “Se fugir um esquilinho
                da gaiola da Ritinha
                vai direto pra cozinha
                que o bichinho é espertinho
                O papagaio despenca
                do poleiro e põe - se aos gritos
                ‘Socorro, acudam, amigos’
                acorda a gata, o cachorro
                deixa todo mundo louco.”

                As crianças riram.
                - Tem mais , Sonia ?
                - Tem : No churrasco da Sameiro
                             Teve show de violão
                             Brincamos o dia inteiro
                               Gozando o sol de verão.
                - A tarde está realmente artística - disse o pai de Lúcia - Não só pintores, como poetas também...
E quem se lembrou de trazer roupa velha ?
                - Todo mundo - gritaram as garotas.
                - Eu até trouxe a minha camiseta de estimação com dezessete furinhos - confessou Selma.
                Havia guache e aquarela. Viviane, Vanessa e Rita, que há dias pintavam cartazes para o teatro, desenhando vários para depois escolher o mais bonito, para variar haviam trazido argila. E houve quem fizesse colagens.
                - Vou fazer uma cidade de bichinhos - disse a Rita, armando - se de tesoura, revistas e cola.
                No final da tarde houve cachorro - quente, pipocas e limonada.
                - Estamos tão sujas que parecemos meninos de rua - disse Fátima.
                - Não. Parecemos pintores de verdade - falou Marilda, ao que Selma retrucou :
                - Só de formos pintores de parede...
                - Esta turma que pintou o sete merece uma foto para a posteridade - e o pai de Lúcia apareceu com uma máquina fotográfica e com um - clic! - aquele momento único ficou registrado para sempre, carinhas felizes de artistas traquinas...



capítulo VI                                                                                                                                                                                                                                                                   

                Durante o Natal e o Ano Novo, o clube não se reuniu. É claro que as meninas se encontraram em passeios de bicicleta, quando vizinhas, ou na piscina do clube ou se falaram pelo telefone. Mas a época de fim de ano deixava os pais fora de órbita, como dizia a Sameiro.
                - Meu pai acorda de madrugada para dar conta de tantas encomendas lá na confeitaria...
                - E tanta coisa que eles inventam de comprar - comentou Marilda - Porque tanta comida e tanta roupa nova ? Bastava comprar o meu presente e já estava bom...
                - Pois eu gosto de roupa nova - disse a vaidosa Fátima - Roupa, sapato e jóias. Meus pais sempre me dão jóias no Natal.
                - A gente podia organizar um chá de bonecas para depois do Dia de Reis -propôs Selma -  Eu tenho certeza de que ganharei uma boneca nova. E o chá vai ser lá em casa, certo ?
                - E se nós mesmas fizéssemos o chá ?  - sugeriu Marilda.
                - Bem, aí eu não garanto ... - disse Selma.
                A mãe de Selma, porém, achou a idéia excelente e enfiou -se na cozinha com as meninas para organizar as turmas :
                - Selma, Marilda e Vera fiquem aqui e façam o bolo. Fátima fica com a Sonia, vocês vão bater o sorvete. Viviane, Vanessa e Lúcia fazem a salada de frutas. E vocês duas espremem as laranjas para fazer um suco natural. E todo mundo lava a louça e limpa a cozinha depois.
                Foi uma trabalheira e tanto, mas valeu.
                E enquanto o bolo assava e o sorvete congelava, as garotas apresentaram umas às outras as suas bonecas novas. Sameiro ganhara um lindo casal de bonecos de louça, presente dos avós.
                - Eles as trouxeram da Alemanha - explicou ela - A minha avó disse que o rosto é de biscuit.
                - Rosto de biscoito ? - disse Sonia - Por acaso são bonecos de comer ?
                Todas riram.
                - Sua boneca tem defeito, Vanessa. Está furada atrás.- disse Rita.
                - É uma boneca dorminhoca. Você recheia o furo com o seu pijama e ela fica enfeitando a cama.
                - E o que é que o meu pijama vai fazer dentro da sua boneca, posso saber ? -implicou Rita, gaiata, para provocar mais risadas.
                - Minha mãe é muito jeitosa - disse Lúcia - Vou pedir a ela que faça uma dorminhoca para mim com umas cabeças quebradas de umas bonecas velhas que tem lá em casa. Afinal , as cabeças estão boas.
                - Você não disse que estavam  quebradas ?
                - As cabeças não estão quebradas. Quebradas estão as bonecas.
                - Eu não ganhei bonecas, mas ganhei bichinhos - mostrou Marilda - Um urso, um coelho e este cachorro.
                - O urso vai comer o cachorro que vai comer o coelho - disse Viviane - Aí você come o urso.
                - Pior fui eu que ganhei um rato de pano - disse a desconsolada Vera - E tudo o que eu queria era uma bicicleta.
                - A minha boneca é a menor mas é a melhor de brincar porque veio com um guarda - roupas cheio de roupinhas junto. querem ver ? - falou Sonia.
                De dentro do pequeno guarda - roupas ela retirou vestidos, saias, blusas, um pijama, um vestido de baile, bolsas, cintos, sapatos e até uma peruca.
                - Que luxo! - exclamou Rita - Não tem pasta de dente também ?
                - E porque uma pasta de dente ?
                - E porque uma peruca ?
                - Para ela se disfarçar. Ela é detetive.
                - E o que ela vai descobrir ?
                - Os seus segredos.
                - Não precisa, não. Eu conto. Ganhei um teatro de fantoches. Eu trouxe para mostrar. A gente monta o palco assim, olhem como é fácil, se esconde atrás e coloca os fantoches na mão desse jeito... - havia cinco bonecos e todas as meninas quiseram brincar de fantoches.
                - Vamos botar ordem na bagunça - exigiu Selma - A Rita armou o palco e como ela é dona do brinquedo, ela começa. Rita, vá lá para trás e conte como foi o seu Natal. Depois sou eu, que sou dona da casa e depois uma de cada vez, tá ? Agora senta todo mundo no chão. O espetáculo vai começar.
                - Boa tarde, amiguinhos - falou Rita, aliás, uma avozinha de óculos de aros redondos e coque - Eu não quero contar sobre o Natal .Eu vou é contar uma historinha para vocês.
                - Conte logo a história, vovó. Conte!
                - Vovó uma pílula. Não sou avó de nenhuma de vocês. Respeito com os mais velhos.
                - A benção, minha senhora, Não sabemos o seu nome.
                - Da Astralgisa.
                Risos.
                - Crianças malcriadas! Estão rindo de mim ?
                - Conte a história logo. Conte. Conte.
                - Pois bem. Era uma vez um pintinho perdido na floresta. Era uma noite chuvosa. A tempestade estava forte, trovejou e relampeou e depois a chuva passou. Como era o nome do pintinho ?
                As meninas se entreolharam.
                - Como é que nós vamos saber ?
                - Relam ! - anunciou Rita, vitoriosa - Vocês não prestaram atenção ? Trovejou e Relam piou...
                - Ah ! Não vale ! - gritaram as meninas.
                A mãe de Selma apareceu à porta:
                - Mocinhas ! Isso lá são modos de senhoritas educadas que se reúnem para tomar chá ?
                - Ah, mamãe, foi a Rita que contou uma piada.
                - Eu, não. O Relam. O Relam é que piou...
                - Bem, o sorvete gelou e a mesa já está posta para o lanche, garotas.
                - Oba! Vou comer o bolo que eu fiz !
                - Experimente o sorvete que eu fiz !
                E assim passou - se mais uma tarde feliz.



capítulo VII


                Sonia foi quem organizou a tarde cigana.
                Ela armou uma tenda no quintal . Ela, não, o primo dela, que era escoteiro e que emprestou a tenda para ela.
                - Não está muito cigana - queixou - se ela.
                - Dá - se um jeito - sugeriu o primo -  Enfeite com uns lenços coloridos da sua mãe, e podemos colar umas luas e estrelas na lona.
                Um globo de luz vazio, redondo, emborcado de cabeça para baixo, fez as vezes de bola de cristal. Um baralho, um pouco de incenso e estava criado o clima dentro da tenda.
                Sonia tinha uma fantasia de cigana. Seus longos cabelos cacheados caíam por debaixo do lenço enfeitado de medalhinhas. Diversos colares, brincos , cintos e dezenas de pulseiras fininhas completavam o traje.
                - Querem saber o futuro ? Quem quer ler a buena dicha ?
                - É preciso pagar ? - perguntou Lúcia.
                - Hoje é de graça. Façam filas, senhoras e senhores.
                - Nós todas queremos ouvir, senão não tem graça. todo mundo na tenda !
                Ainda bem que a tenda era bem grande. As dez amigas espremeram - se lá dentro, à luz de uma lanterna. Sonia queria velas, mas a mãe não deixou, achou muito perigoso.
                Sonia pegou a mão de Lúcia :
                - Sua linha da vida é loooonga... você viverá 250 anos. Terá uma dúzia de filhos e vai enterrar quatro maridos.
                - E dinheiro ?
                - Você nunca será rica de bolso, mas será rica de afeto, não se pode ter de tudo na vida, não é ?
                - Agora eu ! - quis Rita.
                Sonia debruçou - se sobre a bola de crista  :
                - Estou vendo .... elefantes... girafas... focas... uma fila enorme de crianças... O Zôo da Rita... A famosa bióloga Rita na capa das revistas e  dos jornais .... descobriu uma nova espécie de carrapato no Morro da Nova Cintra...
                - E o amor ?
                - Ah, vejo um homem alto, loiro, liiiindo ! ...Você vai conhecê - lo na África.... Ah, é um romance impossível. Você é uma defensora da vida animal e ele é um caçador de elefantes... O marfim os separa...
                - Tire as cartas para mim, Sonia  - e Selma sentou - se em frente à amiga.
                A ciganinha toca a embaralhar e a cortar o maço de cartas. Embaralhou e cortou três vezes.
                - Agora você divide em três.
                E começou a botar as cartas.
                - Ah, uma carta.... uma carta de um homem mais velho.... muito velho.... é um testamento...vejo um país distante, do outro lado do mar....querida, você vai ficar rica. muito rica... e vai morar em Paris.
                - E a profissão ? O que é que eu vou ser ?
                - Ah, isto é muito interessante...
                - O que ?
                - Você vai ser astronauta.
                Risos.
                - Espere. Estou vendo aqui.... um casamento.
                - E meu marido é rico ?
                - Vocês vão se conhecer no espaço....
                - Ah , ele é astronauta, também!
                - Não, é um marciano.
                E entre uma previsão e outra, botando cartas, lendo a mão, as horas se passaram rapidamente.
                - Que tal um lanche cigano ? - ofereceu Sonia, lá pelas tantas.
                - O que tem no lanche cigano ? Biscoitinhos da sorte ?
                - Disfarça, Marilda, os biscoitinhos da sorte são chineses...
                - Mamãe fez um bolo de prendas, por isso , tomem cuidado ao mastigar, não vale comer as prendas.
                Da Alice tivera o maior capricho em separar o bolo em fatias contendo cada uma, uma prenda. E lá foram aparecendo ...
                - Um navio ! A Lúcia vai viajar !
                - Uma moeda ! Aí, Sameiro, quando ficar rica não esqueça das amigas.
                - Uma aliança . A Rita vai ser a primeira a casar...
                -- Um bebê! Fátima vai ter um filho.
                - Uma casa para a Viviane !
                Vera tirou um coelho, e houve muita discussão para saber o que este bichinho significava.
                - Ela vai ser veterinária.
                -Não, ela vai ser fazendeira.
                - Pé de coelho dá sorte. Então, ela vai ter sorte na vida.
                - Atenção, atenção, a cigana quer falar - anunciou Sonia - A sorte é a gente que faz. E como nós somos boas, todas nós vamos ter boa sorte na vida.
                - É isso aí.
                - E vocês já viram festa cigana sem música ? Vamos dançar, que eu descolei um disco com músicas ciganas.
                - Viva !
                - Viva !
                E dez ciganinhas foram rodopiar na sala, tocando castanholas imaginárias e fazendo de conta que rodavam longas saias invisíveis.
                Momentos felizes que perduram para sempre...




capítulo VIII


                O início das aulas estava próximo.
                E como o Carnaval seria no último fim de semana de férias, Viviane falou para as amiguinhas:
                - Sábado haverá um baile a fantasia lá em casa, com concurso e prêmio para a fantasia mais bonita,  e os pais de todo mundo estão convidados também, certo ?
                Vanessa e Rita trocaram um olhar cúmplice.
                - Aí tem coisa ! - gritou Lúcia - O que vocês duas estão tramando ?
                - Ah, é uma surpresa - disse Vanessa.
                No sábado, as crianças chegavam curiosas e Da Carolina as levava até a garagem.
                Um grande cartaz colorido anunciava :
                “ Somente hoje

                OS TRÊS DESEJOS
                espetáculo teatral em 3 atos

                atores : Viviane, Vanessa e Pedro
                sonoplastia : Rita   ”
                Da Carolina arrumara filas de cadeiras na garagem .
                Que platéia gozada! Lúcia de havaiana, Selma de índia, Sonia de odalisca, Sameiro de bailarina, Rita de cigana, Marilda de pirata e Fátima de melindrosa. Entre os primos e irmãos que também haviam sido convidados, havia quase cinqüenta crianças.
                Rita ligou o gravador e ouviu - se uma música suave, ao fundo uma multidão de passarinhos pipilando alegremente :
                “Amanhece na Floresta Encantada, e o lenhador encontra uma bela árvore...”
                Da Carolina puxou as cortinas e Pedro apareceu, de bigode postiço, boné, calças de suspensórios com remendos nos joelhos. Quando ele ergueu o machado e desferiu um golpe na árvore, ouviu - se um grito:
                “Ai! Ai! Valha- me, fada da floresta !”
                Vanessa entrou dançando na ponta dos pés, linda, com purpurina nos cabelos e um diadema de strauss. E a peça prosseguiu.
                Viviane amarrara um lenço na cabeça e aparecia de avental e rolo de macarrão na mão, uma autêntica megera doméstica. E quando ela disse:
                - Queria que esta lingüiça grudasse no seu nariz! - passou pela frente de Pedro, que rapidamente colocou uma máscara, com uma lingüiça grudada no nariz! Ficou muito engraçado. Da Carolina fora muito jeitosa ao costurar a máscara.
                No final, houve protestos dos expectadores:
                - Eu queria ter participado!
                - Eu também quero fazer teatro!
                Os aplausos foram calorosos. Todos se divertiram muito.
                Viviane foi trocar - se e voltou fantasiada de coelhinha.
                - Vamos começar a matinê, pessoal!
                Da Carolina trouxe os discos de Carnaval e o aparelho de som para a garagem. Retiradas as cadeiras, havia muito espaço para as crianças pularem.
                “Ó jardineira porque estás tão triste...”
                Os pais haviam, de comum acordo, organizado um “bota - fora”, como se dizia antigamente, uma despedida. Despedida do que ? Ora, das ferias, evidentemente.
                “Um pierrô apaixonado...”
                As músicas prosseguiam, alegre, enquanto os silenciosos pais entravam na sala, trazendo refrigerantes e cerveja geladinha (somente para os adultos, claro).
                “Alá la ô ôôô ôôô ... mas que calor ôôô ôôô...”
                E quando o bailinho terminou, com a tradicional musica:
                “É hoje só só só , vai acabar já já ...”
                Houve um último frevo, bem rapidinho, e os corpinhos infantis, derreados, desabaram, em meio a montes de confete e serpentina.
                - Atenção! Atenção! O concurso !
                Entre os aplausos dos pais, as crianças foram desfilando. Havia fantasias caprichadas, algumas até bordadas com pedrarias, mas o prêmio ficou para Vera, que estava original com suas faces sardentas, shorts rasgado, camisa abotoada errado com meia fralda para fora, um sapo ( de plástico, é claro) espiando pelo bolso da camisa e um enorme estilingue pendurado no bolso de trás.
                - O prêmio! O prêmio! - pediram todos.
                E veio o prêmio , aliás bem apropriado : um enorme saco de confete, cinco rolos de serpentinas e uma máscara de saci ! Vera colocou a máscara e saiu pulando em uma só perninha...
                - Estou morta de sede - comentou Selma, esvaziando a ultima jarra de limonada ainda à vista.
                - E eu com fome - reclamou Vanessa - Mãe, cadê o lanche para recompor as energias dos seus foliões ?
                - Lá na sala, mas primeiro lavem as mãos.
                E na sala, pilhas de pratos descartáveis e duas dúzias de pizzas gigantes, quentinhas, esperando para serem devoradas.
                - Viva o Carnaval!
                - Viva a alegria !
                - Um brinde ao fim das férias!
                - Vivam as pizzas!
                E a criançada gritava Viva! Viva!Viva!
                - Puxa, Rita, que pena que acabou o clube! - suspirou Sonia.
                - Quem disse ? - falou Lúcia - Terminaram as férias, mas o clube continua.
                - Vai começar de novo aquela chatice de escola, ler , escrever e contar .... - resmungou Marilda.
                - Escrever ? - repetiu Rita, com um brilho já nosso conhecido nos olhos.
                - Eu conheço esta sua cara - disse Sonia - No que é que você está pensando ?
                - Acabo de ter uma idéia. Ouça só : a Marisa passou as férias no Rio, eu vou fazer uma entrevista com ela sobre a viagem; você, que escreve poesias...
                - O que você quer fazer com minhas poesias e a tal entrevista ?
                - Um jornal, Sonia! Você faz a parte literária, a gente bola uma seção de piadas, outra seção de fofocas da semana e lançamos “O Jornal do Clube da Amizade” entre as garotas do 3°B e companhia.
                - E aí ...

                E aí começa uma outra história, que fica para uma outra vez.    



fim                                                         

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Uma cinquentona em férias.


Aotearoa, o pais das longas nuvens brancas, ou o nova costa: New Zealand

Queenstown


Esta viagem seria a primeira que faria sozinha. Felizmente a filha a ajudara com a internet a reservar passeios e hotéis na Nova Zelândia.
Qantas (a commpanhia de aviação em que agendara o vôo) em greve, vulcão ativo no Chile, resultaram em atraso do vôo, contratempo que não chegou a atrapalhar muito a viagem. Chegara, finalmente.
Deveria pegar um ‘chato’ no aeroporto – a filha dissera assim: fala-se ‘chato’. Ela lera shuttle e já estava inventando uma pronúncia diferente. A gente sempre evita os sons que lembram palavras portuguesas quando falamos em inglês.
Pagou os 30 dólares ao motorista e logo estava no hotel dirigido pela Mrs. Lynley, uma simpática irlandesa muito gorda e risonha. A filha e o genro ficavam rotineiramente neste hotel quando vinham para esquiar nas férias.
É um simpático hotel, com vista para o lago Wakatipu, em Queenstown.
Wakatipu é o nome de uma deusa gigante que caiu na terra e ficou lá sentada, extasiada decerto com a beleza do lugar – sentada pois a forma do lago lembra uma pessoa sentada.
Sorriu.  Lembrava-se de como se confundia e conversava com a filha falando: ‘quando eu for para Queensland’, e a filha ria: se você chegar no aeroporto e falar que vai para Queensland, o pessoal vai fazer você embarcar num avião para a Austrália! Ela detestava confundir nomes, rostos e datas, o que estava sempre acontecendo, o que fazer, seu cérebro era assim e pronto, esse é um dos seus pontos fracos.
A Nova Zelândia., pelo menos a ilha sul, dava mesmo a impressão de ser uma geladeira, apesar de já ser final de primavera. Dava mesmo a impressão, como diziam no site portadaocenia, de que se esqueceram de desligar o ar condicionado.
A filha havia dito que ela deveria andar de gôndola no primeiro dia, então ela deixou as malas no quarto, pegou um mapa na recepção e aventurou-se pela cidadezinha. Apenas para descobrir que sua bussola interna, como de costume, não funcionava. Pegou a direita, logo percebeu que estava a voltar para o aeroporto, então virou pra a esquerda e foi rodeando o lago.
Até então só vira montanhas. Passaram pela cordilheira dos Andes tão próximo ao Aconcágua que ela tivera a impressão de que poderia tocá-lo com a mão. E ao aproximarem-se de Queenstown, vira as montanhas de cima, enrugadas e rachadas, mas sem neve. A seu lado, uma brasileira que vivia ali há cinco anos, foi gentilmente contando fatos sobre a região:
As montanhas, no inverno, são muito belas de se ver daqui de cima, cobertas de neve, mas agora... este ano, aliás houve pouca neve, é preciso 80 cm de base para que as pistas de esqui funcionem direito, e no auge do inverno só havia 50 cm de neve, uma estação perdida, esta, houve uma nevasca atrasada em agosto, e graças a Deus a competição de baseball salvou-nos do prejuízo, veio muito gente, do mundo todo, para esta competição, notou as bandeirinhas dos países competidores que estão por toda parte?
Não havia como não notar, ela já estava pensando a quem perguntaria sobre aquilo, e a resposta veio espontaneamente; durante toda a semana veria as bandeirinhas e ouviria comentários e piadas sobre a tal competição, muito esperada e curtida pelos kiwis. (como o pássaro símbolo da Nova Zelândia é o kiwi, os habitantes recebem este apelido carinhoso) A brasileira também falou do merino, excelente lã fabricada na região com pelo de carneiro misturado a de outros animais de boa lã, como o possum e a alpaca; o merino é muito quente, bonito e leve; das fazendas de ovelhas, do lago Wakatipu, das montanhas Remarkables Rocks e do filme O senhor dos anéis que foi em parte filmado em Queenstown e em Fiordland. Como curiosidade, ela ficou sabendo que mais de três mil brasileiros vivem atualmente em Queenstown, tanto que os serviços religiosos tem um horário especial rezado em português, especialmente para os brasileiros. A brasileira trabalhava em um hotel, não o mesmo em que ela ficaria, e ao descer no aeroporto separaram-se, a outra em direção ao filho que a esperava e ela em direção a esteira de bagagens, em duvida se estaria sendo rude ao dizer o rápido até logo. Enfim, a outra tagarelava por duas e ela não tivera muita oportunidade de falar.
Então, saindo do hotel para o seu primeiro passeio, olhou com atenção para as montanhas Remarkables – belas, realmente, todas recortadas contra o céu intensamente azul.
O lago, muito azul, com as águas encrespadas pelo vento, estava quase vazio – seria pelo frio? Andando ao redor dele, fatalmente acharia o centro, pois estava confusa com o mapa. Realmente, havia uma bifurcação que ela logo descobriu que dava no mesmo lugar, por cima ou por baixo, chegava-se ao centro. Imensos pinheiros, do tipo que cresce no Paraná, porem com pinhas minúsculas e galhos imensos, altíssimas – que contraste, arvores tão grandes darem pinhas tão minúsculas! Se pudesse, recolheria algumas pinhas para fazer enfeites de Natal, tão bonitinhas, tão mínimas...
Havia muita gente no centro, ela procurou primeiro o banco para trocar o dinheiro e em seguida um restaurante, para almoçar seu primeiro ‘lamb’. Os kiwis preparam esta iguaria com filhotes de ovelhas de carne macia pois só tomam leite. Acompanhado de um vinho local, tinto, e acompanhado de purê de batatas, o almoço estava delicioso.
Depois disso, ela procurou a Patagônia, a confeitaria local, onde a filha recomendara que experimentasse o chocolate, e ela descobriu tratar-se de uma sorveteria. Naquele frio intenso, muitos jovens kiwis em trajes mínimos de verão tomavam sorvete, ao lado de tiritantes turistas encapotados até as orelhas, em um contraste cômico. Ela estranhou os trajes dos jovens, de chapéus com chifres e desenhos de cicatrizes nas faces, até mesmo as moças que serviam no balcão estavam assim, estava a pensar que havia ali tribos de darks, metaleiros e outras, até mesmo duas mulheres velhas estavam com estranhos ornamentos nos cabelos, parecendo bruxas, e a filha, esta mesma noite, conversando pela internet, a esclareceu: Mãe, lembra que aí hoje é dia do Halloween!
E, é claro, nos outros dias, todos estavam vestidos do jeito normal.
Como ela não achava a gôndola, por mais que virasse o mapa para todos os lados, resolveu sair andando a esmo e olhando para cima, ate ver os bondinhos, ai foi só seguir naquela direção e logo se encontrou no local certo.
Em frente ao embarque das gôndolas, há o parque Kiwibird. Pagou os 25 dolares e entrou. Viu ali os maiores pinheiros de sua vida, sem duvida ali filmaram O Senhor dos Anéis. O parque tem um sistema pratico de gravador portátil que vai contando ao turista, em sua própria língua, tudo sobre as arvores, flores, e, é claro, os pássaros ali enclausurados. Ela ouviu as primeiras, mas logo deu-se conta de que as mesmas coisas estavam escritas ou nas placas do parque ou no folheto de orientação que recebera. Tirou o fone dos ouvidos e ficou ouvindo a sinfonia real, das centenas de passarinhos soltos na reserva. Um espetáculo à parte. Claro que viu exemplares dos kiwis, o passarinho tímido quase extinto, protegido por lei. E assistiu a um show com pássaros e até um possum – finalmente ela via o seu primeiro possum, bem grande e felpudo.
Depois, na lojinha do parque, simplesmente teve de comprar um agasalho condizente – um merino, naturalmente, leve, quente, bonito, que a acompanhou pelos próximos dias e a manteve quentinha e confortável.
Depois, subiu a gôndola. Lá em cima fez de tudo o que tinha direito: andou nos carrinhos que desciam a montanha, um pouco encabulada pois os meninos pequenos a ultrapassavam facilmente, assistiu ao show dos maoris, a Kiwi Haka, jantou no restaurante panorâmico vendo por do sol no lago Wakatipu e comprou dois livros sobre os maoris na lojinha ao lado.
O show dos maoris foi interativo. A primeira surpresa foi o tamanho deles, são muito altos, mesmo as mulheres. A segunda foi a alegria e a energia com que dançam e se expressam. A dança de acolhida é muito alegre e bonita, e a dança de guerra realmente assustadora. Um dos rapazes traduziu a letra da Haka e depois explicou porque a lança deles tem uma ponta espalmada e outra fina com um detalhe largo logo após a ponta:
A letra da canção diz mais ou menos assim: foi te pegar, te esganar, te trucidar, te esmagar, te pisotear, furar o teu crânio, abrir tua cabeça, comer o teu cérebro.
E o dançarino mostrou como a lança é usada para furar, alargar o furo com o detalhe largo após a ponta, abrir o crânio como uma tampa usando a parte espalmada da lança que também serve de colher para saborear o cérebro do inimigo, o que, para o guerreiro, é uma iguaria... Aí ele lambeu os lábios e sorriu, explicando que hoje em dia, eles preferem as iguarias do Macdonalds...
As mulheres maoris mostraram para as mulheres da platéia como usar o poi – um tipo de io-io em forma de bola com que elas fazem malabarismos ao dançar – foi gostoso subir ao palco e dançar com elas, mesmo se atrapalhando toda para fazer os gestos corretos, claro que todas erraram um pouco, acertaram outro pouco e todas se divertiram em dançar.
A seguir foi o jantar.
A comida estava deliciosa, após a salada fria de frutos do mar tudo o mais seria gulodice, brasileiro não costuma jantar tão cedo, com o sol ainda à vista. E, é claro, ela preferiria estar acompanhada para conversar.
Ao descer, ainda estava claro e ela foi caminhando em direção ao hotel, estranhando as ruas já parcialmente vazias – em frente às marinas os bares estavam cheios de gente, degustando os vinhos locais. Havia cartazes anunciando os passeios de barco mais caros que ela já vira. A brasileira do avião recomendara que andasse de lancha a jato – é seguro e emocionante, dissera ela. De qualquer forma, a previsão do tempo para o dia seguinte era chuva, e ela estaria excursionando em Fiordland.
Comprou no caminho umas barrinhas de cereais feitos com mel, macias, deliciosas, em uma loja graciosa que fazia ‘cookies’ somente para ‘serious cookiemunchers’, ou seja, fazemos biscoitos para aqueles para quem comer biscoitos é uma atividade levada a sério. E os biscoitos tinham carinha feliz...um lugar para encantar crianças e adultos.
Avisou Mrs. Lynley que pretendia tomar o café da manhã ali. A filha dissera que havia muitos locias perto para comer, mas ela não estava com disposição de andar três quadras ou mais até o café mais próximo debaixo de chuva, logo ela que acordava com a fome, mesmo estando prevenida com barrinhas de cereias que logo descobriria serem as mais deliciosas que já comera em toda a sua vida, feitas com mel, macias de derreter na boca.
E logo entocou-se na cama quentinha, após um banho morno, para adormecer na expectativa do próximo passeio.


Fiordland

Na manhã seguinte, ela desceu para o café, em tempo de garantir o horário da excursão.
Café fora do Brasil é complicado – ou é aguado, ou é amargo e fraco, ou é servido com leite gelado em dedal. Os potes de leite parecem mesmo pequenos dedais, e a gente acaba tomando leite com café e não café com leite.
Havia sobre a bancada um pote de água fervendo, um bule com leite (gelado), garrafas térmicas com café amargo e aguado.
Ela serviu-se de água quente e preparou um chá. Inglês, kiwi ou australiano, todos os sabores de chá são deliciosos. O mesmo diga-se dos iogurtes cremosos, com ou sem frutas, misturados com o mel local. Divinos! E o pão de forma, com sementes de linhaça, estava também muito saboroso com a manteiga cremosa e com geléia de laranja.
Subiu para escovar os dentes e pegar sua mochila, estando pronta dez minutos antes do prazo como manda a prudência. O ônibus que passou para pegá-la estava lotado de pessoas de todos os países possíveis – indianos, sempre, asiáticos de todas as procedências, nórdicos, europeus, e uma espanhola com quem ela conversou e lanchou, Esperança, que vivia há dois anos na Austrália.
Passaram por diversas pequenas cidades, como Dunedin e Te Anau, antes de entrar no parque propriamente dito. Pareciam miniaturas, as casinhas todas arrumadinhas, os carneirinhos por toda parte – haja lã! O que esta gente faz de tanta carneirada?
Viajando sem maquina, ela sentia-se livre para observar a paisagem, mergulhar na beleza. As filhas não entendiam como ela podia viajar sem fotografar – quando envelhecerem também irão entender, pensou ela, não tem graça nenhuma foto de gente velha, a mocidade gosta de se ver nas fotos por serem bonitos, como ela também gostara das fotos que tirava na mocidade.
O parque nacional Fiordland é imenso, o ônibus levou quase duas horas para chegarem a Milford Sounds onde pegariam um barco para velejar junto aos fiordes.
Pararam ainda outra vez em frente a uma praia, e aí, em uma barraquinha de lembranças. Ela comprou o que chamava de casaco de vento – uma jaqueta à prova d’água com malha térmica por dentro – rosa com o desenho de um pássaro kiwi no peito, bem bonitinha, que a acompanharia pelos próximos dias. E aí ela começou a entender a lógica das imensas mochilas dos neozelandeses – depois de colocar a garrafa de água, um casaco de vento e um merino, a mochila já está imensa....
Ao chegarem finalmente ao atracadouro, ela estava faminta e arrependida de não ter comprado alguns doces no caminho – para sua surpresa, o almoço incluso prometido pela agencia de viagens era na verdade um kit de picnic – frio! Verdade que o frango com queijo que recheava o pão macio estava muito saboroso, mas naquela temperatura, seria muito mais desejável alguma coisa muito, muito quente para comer. Havia também uma maçã e alguns biscoitos. E do lado de fora, leões marinhos, pingüins, gaivotas, as belíssimas rochas - e a chuva!
Ah, a chuva não deixou que vissem o pico Mitra refletido na água azulada, pois a água estava cinzenta e o céu cheio de nuvens encobria os picos dos fiordes mais altos... e nem por isso deixam de ser impressionantes e ela pensou que dos altos daqueles picos, milhões de anos a contemplavam, indiferentes.

A caminho de Christchurch

No dia seguinte pela manhã, repetiu-se a rotina do café da manhã, exceto pelo fato de que ela encerrou a conta e desceu com as malas, pois na noite seguinte dormiria em Christchurch – a bela cidade atingida por dois terremotos em menos de um ano. A filha saíra de lá um dia antes do primeiro terremoto, e não queria voltar lá, com medo de outro, mas ela não temia os terremotos. Afinal, como a filha costumava dizer, tragédia na Nova Zelândia significa que morreram duzentas ovelhas – mas no terremoto morreram algumas pessoas, sim, e a linda catedral ficara muito danificada e ela não poderia visitá-la.
O ônibus passou por diversas pequenas cidades, como Cromwell, às margens do lago Dunstan – ali viu um mercado onde estavam vendendo mel em potes cremosos, doces de todo tipo, frutas belíssimas e maduras, vinhos locais e queijos. Ela ficou embaixo de umas árvores ouvindo os pássaros, pois é claro que não iria carregar doces, frutas ou queijos consigo!
Ela gostou especialmente do lago Tekapo – estava um vento terrível quando passaram por ele, suas águas azuladíssimas encrespadas e revoltas. Viram a estatua do cão pastor, o guia ficou vários minutos a contar a história do fazendeiro que trouxe as ovelhas para aquela região e seu cão, homenageado na estátuta; visitaram a pequena igreja em frente ao mar, porém o espetacular é mesmo o lago em si. Que cor! Só mesmo vendo para entender o deleite que é admirar aquela água gelada e linda.
As paisagens sucediam-se, umas mais maravilhosas que as outras, até chegarem ao Monte Cook, pela hora do almoço.
Monte Cook que ninguém viu, por causa da chuva, das escuras nuvens e da neve – sim, neve, pois nevou no exato momento em que desceram do ônibus e ela não se importou de sair de nariz para cima, braços abertos, cara de boba, era a primeira vez que via neve e uma americana também exclamou, com ar maravilhado: Neve!
O almoço ali foi um almoço de verdade, servido em um salão elegante e a seleção de iguarias foi excelente – até mesmo ostras e grandes mariscos para serem degustados.
Só cinco pessoas escolheram almoçar – os demais preferiram comer na lanchonete. A mesa do almoço foi servida para cinco pessoas – ela e dois casais de americanos, com nomes estranhos impossíveis de lembrar, e que entabularam uma conversa polida, assim ela pode praticar um pouco de seu inglês. Um dos americanos já estivera uma vez no Brasil, para surpresa dela, ele estivera no sul, em Florianópolis.
Depois de deixarem Monte Cook para trás, após vinte minutos, apareceu o sol e o tempo permaneceu claro até a tarde.
Quando o ônibus a deixou no hotel em christchurch, ela foi informada que teria de tomar café no quarto, pois ali tratava-se de um bed breakfast - e o rapaz do hotel levou para seu quarto tudo o que precisaria para tomar uma excelente refeição – na verdade, ele levou tanto pão, biscoito, fruta, mel, iogurte e cereal, que ela poderia comer todas as três refeições do dia com tudo aquilo.
Ela tomou um banho rápido, pegou seu mapa local e tratou de andar ao ar livre o máximo tempo possível, primeiro porque ali perto havia um parque muito grande e bonito, segundo porque estivera sentada por longas horas, terceiro porque se chovesse no dia seguinte ela não poderia passear nos parques.
O dia longo só escureceu depois das oito da noite, e ela pode passear e congelar em meio a belas árvores, flores, pássaros e esportistas praticando ciclismo, corrida, ou caminhando, como ela própria. Que bom que comprara seu merino! Lembrava-se do tom jocoso com que o pessoal do site portaldaoceania referia-se ao congelado turista – era exatamente assim que ela se sentia – uma congelada e extasiada turista.
Antes de dormir, agradavelmente gelada, usou a internet do hotel para enviar mensagens para a filha, agradecendo a excelente escolha do roteiro.
No dia seguinte passeou pelo Jardim Botânico, quando começou a chover entrou em um trenzinho parado em frente ao museu, que anunciava passeio Caterpilar – ela entrou por dois motivos – para fugir do frio e da chuva e porque achou que o passeio era sobre insetos. A guia, motorista, uma senhora loira muito simpática, começou a conversar com ela, a única passageira do dia naquele horário, quando soube que ela era brasileira contou que já estivera no Brasil, em Florianópolis, uma ilha muito bonita, visitando a cunhada, pois seu irmão se casara com uma brasileira, e, disse ela, ficou muito admirada de ver que nossos pinheiros dão pinhões gordos que se podem comer!
Bem, conhecer dois estrangeiros que vieram a Florianópolis na mesma semana, isso é uma tremenda coincidência. Até então, em suas viagens, ela só conhecera estrangeiros que falam do Rio de da floresta amazônica.
O passeio durou uma hora, e parou quase no mesmo instante em que a chuva também parou. Depois de uns dez minutos, ela, inquieta, perguntava-se quando começaria o discurso sobre os insetos, pois a simpática guia so falava das arvores e das flores, e então deu-se conta de que o trenzinho, compriiiido, era que era o caterpilar! Ai,ai...
O museu de Christchurch a encantou. Havia uma réplica da cidade inicial, com suas lojas e profissionais do século XIX, em tamanho natural, que a encantou. A pessoa podia sentir que estava mesmo andando pela cidade antiga, vendo as lojas de brinquedos de madeira, as lindas bonecas, a casa de roupas femininas, o sapateiro, a chapelaria, até um cavalo estacionado em frente ao poste de luz com os dizeres: Crianças podem montar.
Na parte de antropologia, imensas cenas onde se viam os primeiros maoris caçando a moa, pássaro hoje extinto, sem asas, que devia ser mansinho como o kiwi de hoje.
Maravilhosos estes museus interativos, em seu tempo de menina, os museus eram locais enfadonhos onde as crianças não podiam mexer em nada, e os adultos ficavam o tempo todo brigando com elas, e, bem, crianças são curiosas e devem poder mexer em tudo para aprender.
Ao final da visita, parou na cafeteria do museu para tentar um moka – inutilmente, tudo o que este povo faz com café é simplesmente intragável para o paladar brasileiro, só serve mesmo para aquecer as mãos congeladas. Voltou a pedir chá – sempre bom nos países de língua inglesa – com um delicioso bolinho, coisa que estes povos fazem com maestria, um mais gostoso que o outro.
Era uma pena que o terremoto tivesse destruído o centro da cidade e ela não pudesse ver a linda catedral, que estava fechada para reformas, nem as outras atrações do centro; aliás, havia tantos lugares em reformas pelas avenidas que ela desistiu de tentar espiar o centro. Toda vez que tentava desviar de uma rua interditada, perdia-se.
A cidade havia sofrido dois terremotos – um em setembro de 2010 e outro em fevereiro de 2011 – este segundo destruiu tudo o que havia sido reformado até então e a cidade teve de começar tudo de novo, com imenso prejuízo de tempo e dinheiro.
Ao final da tarde ela voltou ao hotel, acabou de comer os biscoitos do café da manhã, encerrou a conta e esperou o taxi que a levaria ao aeroporto, onde voaria para Aukland.
Vôo curto. Chegou em Aukland ainda com a luz do dia.
Aukland
www.presidenthotel.co.nz
Best Western President Hotel
27-35 Victoria Street West
 
Aukland, como qualquer metropole, é barulhenta, suja, e, surpresa ruim: quente.
Ah, que saudade do friozinho da ilha sul...
O hotel, apesar do nome pomposo, foi o pior de todos, com o quarto simples, escuro, pequeno, e o atendimento péssimo. Ninguém pegou suas malas, e os chineses da recepção pareciam ter vindo da China na véspera sem nenhum curso de inglês. Tudo o que faziam era balançar a cabeça e dizer: hum hum...
Ela quase gritou até que um deles chamou de lá de dentro um indiano que emitia sons diferentes de hum hum e finalmente entendeu que ela não conseguia acessar o computador; resolver o problema – fez aparecer a janela para colocar a senha provisória fornecida pelo hotel. De quebra conseguiu entender que ela estava pedindo um mapa da cidade e jantar. O mapa estava em um balcão ao lado do elevador, quanto ao jantar, ela podia comer em qualquer lugar lá fora... que gentileza!
Resolveu não ariscar perder-se. Não era boa em seguir mapas. Olhou onde ficava a estação de ônibus, as varias lanchonetes e restaurantes da quadra, optou por uma sopa, levou um pacote de bolachas para o dia seguinte e foi dormir.
A excursão do dia seguinte era organizada pela Great Sights e levava passageiros de varias nacionalidades para Waitomo Caves, Agrodome (uma fazenda de criação de animais) e Rotorua, onde veriam os jardins do palácio do governo, as águas termais com lama borbulhante, o gêiser Pohutu e a aldeia maori Te Puía.
Waitomo Caves foi uma decepção. A não ser que o maior desejo de uma pessoa seja ver larvas fosforescentes de pirilampos, esqueça. Leva-se duas hora na fila para passar menos de dois minutos andando de barco nas passagem escura da gruta que nos permite ver o brilho das fosforescências. E a caverna, pequena, está estragada pela colocação de piso, corrimão, luzes no corredor...que tiram toda a sensação de entrar em uma gruta.
Ao final havia uma lojinha – sempre há uma lojinha quando o turismo é organizado – onde ela achou meias dela pelo preço mais barato que já vira, e comprou algumas para presentear os genros, que dar presente para homem é muito difícil; como conseqüência atrasou-se e foi a ultima a entrar no ônibus – mas comprou as meias1
O almoço, servido para comer no ônibus, foi, adivinhe? Sanduíche frio de frango com o queijo pastoso e folhas de alface. Pelo menos, em Aukland, estava quente. Ela guardou o sanduíche para comer mais tarde, ao sair do ônibus, e mordiscou a maçã.
A fazenda não a atraía, mas não havia como declinar do passeio, estava no caminho para o vulcão. Ventava muito quando desceram do ônibus, porém este passeio mostrou-se interessante.
Primeiro andaram pela propriedade vendo alces, alpacas, carneiros de dois tipos, o da lã mais quente tem os chifres enrolados. Foram informados que a seleção dos animais é muito prática, no primeiro ano de tosquia a qualidade da lã é analisada: se não for boa, o bicho vira bife.
 Também viram o cão sheppard neozelandês guiar as ovelhas ao abrigo. Um cão pequeno, mas eficiente. Para que gastar dinheiro alimentando um cão de grande porte, não é mesmo? E ela imaginava que ia ver um imenso cão pastor...
Ela nunca imaginou que gostaria de ver uma tosquia de ovelha, e o processo a intrigou – como a ovelha ficava quietinha, nem reclamava, e como a lã saía inteira sem se dividir em inúmeros chumaços. O rapaz explicou que a lã produz uma eletricidade estática muito forte, o que permite que seja transformada em fios, e o processa de fazer o fio, a meda, usar o tear, foi mostrado do jeito artesanal e industrial. Muito barulhento, eles nos mostram a maquina e passam o filme, mudo, da maquina em funcionamento.
Depois ficaram a ver os casaco feitos com os vários tipos de lã, inclusive o merino. Tudo muito, muito caro, o rapaz informou que o preço da lã é vendido a quatorze dólares, porque um casaco custa trezentos?
Passaram pelos jardins do governador a caminho de Whakarewarewa, a reserva maori próxima a Aukland.Ela gostou de descer do ônibus e passear  pelas longas alamedas ao redor do vulcão, ver a lama borbulhante, os vapores quentes que escorrem das fontes termais, apreciar o gêiser que fica vinte minutos em erupção de cada vez, varias vezes ao dia.
Em seguida foram levados até a casa de espetáculos dos marois, onde por quase uma hora ouviram e viram as danças e cantos.
Kia Ora – diziam eles, explicando que Kia Ora pode ser olá ou obrigado.
Cumprimentaram em nome do grupo um turista escolhido na hora com o cumprimento tradicional, esfregar os narizes duas vezes, enquanto se dão as mãos direitas.
Fizeram inúmeras vezes a careta intimidadora que consiste em mostrar a língua e sacudi-la muitas vezes enquanto emitem um som rouco e alto.
Suas tatuagens são pretas, e as mulheres, com o buço pintado assim, parecem ter barba.
Depois das danças pudemos ver as oficinas onde cavam as arvores para fazer canoas, diversos objetos, e também um pequeno museu com quadros e fotos das aldeias antigas e atuais.
Os painéis do marae e os totempoles a fizeram recordar-se dos maraes que vira na Polinésia Francesa e dos totempoles dos haidas no Canadá.
Este era um local em que ela apreciaria ficar mais, passear pelos outros cantos da aldeia, mas o ônibus já estava chamando para irem embora.
Receberam um novo lanche de sanduíche frio com suco e biscoitos, para comer no ônibus a caminho do hotel.
Desta vez, o indelicado motorista, não sei porque razão, ao invés de deixá-la no hotel, como fizera com todos os passageiros, parou na estação de ônibus, a duas quadras de distancia e disse, curto e grosso:
A distancia é pequena, a senhora pode ir a pé.
E embarafustou-se pela estação adentro, antes que ela pudesse protestar.
Que rude! Definitivamente, ela decidiu, não gosto do povo das cidades grandes.
O chinês do hotel não estava lá, e ela pode ver com alívio um camarada de aparência normal falando inglês que concordou em agendar um taxi para levá-la ao aeroporto na madrugada seguinte. Quando então os mesmo chineses estranhos falando hum hum receberam a chave do quarto e hum hum ela se foi.
Mas pretendendo retornar em breve – para a ilha sul, é claro.
Austrália

Quando o avião se aproxima do aeroporto de Sydney a costa imensa e recortada se espalha pelos quatro cantos, e, admirando a bela paisagem, o turista se surpreende a ver o avião baixando cada vez mais até quase tocar na água, quando então o passageiro mais atento e mais assustado percebe, finalmente, o toque do trem de pouso no solo.
É que a pista de pouso do aeroporto de Sydney está muito próximo ao oceano.
E, quando se vem por terra, pode-se ver a pista de aterrissagem bem acima do viaduto, e tem-se a impressão de que os aviões estão deslizando por sobre nossas cabeças.
Coisas da Austrália.

Fernanda estava procurando pela mãe, cujo avião chegara meia hora mais cedo, e ela se atrasar pelo transito intenso da manhã. Infelizmente havia muitas pessoas chegando na mesma hora, e ela olhava atentamente para todos os lados quando seu celular tocou, e ela ouviu a voz da mãe. Imediatamente voltou-se para o telefone publico e quase no mesmo instante seu olhar cruzou com o da mãe. Riram e abraçaram-se.

Fora uma longa viagem, e Regina pensara que tudo o que precisava fazer para encontrar a filha, era passar pela imigração. Mas quando desembarcou do avião, descobriu que metade da Ásia a separava dos guichês. Havia pelo menos trezentas pessoas na sua frente – trezentas pessoas de olhinhos puxados.
E ela foi explicando as curiosas cenas que presenciou antes de poder finalmente ir buscar suas malas.
Cada pessoa que chegava ao balcão começava um dialogo de gestos com o funcionário; um falava daqui, outro falava dali, ninguém se entendia, aí chamavam um interprete; fala daqui e dali, a pessoa abria a bolsa, retirava alguma coisa lá de dentro e começava uma espécie de negociação que acabava com a pessoa sendo afastada do guichê e orientada a retirar diversos objetos da bolsa, mas parecia não concordar com isso e começava uma nova discussão. Aí vinha uma outra pessoa e começava tudo de novo.
 A fila parecia nunca sair do lugar, até que alguém começou a andar pela fila e a retirar as pessoas que não eram asiáticas para serem atendidas pelo ultimo guichê. Assim, Regina passou com outras seis pessoas rapidamente pelo funcionário sem maiores delongas.
Sandro, o namorado de Fernanda, começou a explicar que os asiáticos costumavam trazer peixes e ervas para a Austrália, que faz uma verdadeira cruzada para manter sua fauna e sua flora livre de contaminação externa.

O sorriso de Fernanda era, aos trinta, o mesmo de quando bebezinho. Meio maroto, meio tímido, convidando ao abraço.
Regina abraçou a filha, e sentiu que, naquele momento, suas férias começavam, de verdade, férias, aqueles dias felizes em que desfrutamos da companhia das pessoas que amamos.



Sweetdream  daughter’s home
37/28-32 Sturdee Pde – Dee Why NSW 2099

Duas filhas, duas mães


Quando trabalhava como barista em um café, Fernanda conheceu Juliana. Mudaram de emprego, ficou a amizade, e, na conversa, descobrem que suas mães vinham para visitar as filhas no mesmo mês, daí surgiu a idéia da viagem conjunta.
Rita, a mãe de Juliana, vinha de Pelotas, trabalhava em um banco, embora psicóloga de formação.
No dia em que chegou a Sydney, Regina estava com Fernanda quando Juliana telefonou, assustada, por haver perdido a mãe. A mãe, chegada de véspera, não havia chegado ao ponto de encontro no local aprazado, e nem estava em casa. No mesmo instante, Regina deu de ombros:
- Ela não está perdida, isto é problema de relógio. Aposto que chegou aqui e não acertou o fuso horário.
Era isto mesmo. Uma hora depois, liga Juliana, aliviada, que a mãe havia chegado, no horário – do relógio errado!
A manhã e a tarde passaram rapidamente entre conversas, trocas de presentes, desfazer de malas, refeições – quem viaja para o outro lado do planeta quando chega já nem sabe mais se está a comer o jantar ou o café da manhã – e um giro pelos arredores. O que, no caso de Fernanda e sua mãe, queria dizer a praia de Dee Why. E, no caso de Juliana, a praia de Manly.

Nesta mesma noite, Fernanda, Sandro e a mãe também foram a Manly para ver o pingüim, bem como Juliana, Chino e Rita, e todos foram tomar um lanche juntos.
Manly é um belo bairro, onde Fernanda morara um ano antes.
Há algumas coisas curiosas sobre Manly, além do seriado da TV – O veterinário de Manly.
A primeira delas é o pingüim. Ou os pingüins. Todos os anos, os pingüins vem fazer seus ninhos sempre no mesmo local. Pingüins são teimosos e inocentes. Não se importam se há pessoas, cachorros ou gatos na praia, nem reparam nos barcos a motor nem nos surfistas. O instinto diz a eles que devem fazer seu ninho no mesmo local onde seus pais, avós e tatarvós fizeram há séculos e ao instinto eles obedecem – e morrem, comidos pelos cachorros, pegos nas hélices dos barcos. Vai daí que as boas almas se juntam e organizam ONGs para defender pingüins. E ao redor da praia de Manly está construída uma passarela por onde as pessoas podem passar por sobre a areia sem incomodar os pingüins em seus ninhos. E na primavera, todos os dias, voluntários se revezam para tomar conta dos pingüins e evitar que cães, gatos e gente malvada os ataquem. Os amantes dos pingüins vão toda noite observar a chegada dos pais que voltam do mar para alimentar seus filhotes. Os pingüins são então paparicados, protegidos, fotografados pelas mesmas pessoas que todas as noites ali se encontram, perguntando uns as outros, ansiosamente:
- Já chegaram?
A segunda coisa curiosa de Manly é uma estranha escultura que vista do solo parece ser uma espiral enrolada, uma cobra, ou, no dizer dos moleques, um montinho ... escatológico. Quando se olha de cima, entretanto, percebe-se a intenção do artista de esculpir um caracol; de qualquer modo, a desastrada escultura foi apresentada às mães como a m... de Manly.
Nesta noite, depois de verem chegar os pais para alimentarem seus filhotes, todos foram sentar-se em um bar para comer e conversar.
Os gaúchos eram animados, alegres, engraçados. Regina gostou imediatamente deles.
Chino era ciclista, havia participado recentemente de uma competição, e sofrera um pequeno acidente de trajeto; estava cansado, dolorido, e ficaria em casa cuidando do gato enquanto mães e filhas viajavam. Já Sandro, estava mesmo atolado de trabalho.
Rita, que não falava inglês, pediu um guaraná, e Juliana quase gritou:
- De novo, mãe? Aqui não tem guaraná, aqui é Austrália!
E, por força do habito, Rita dizia aos garçons ‘obrigada’ e eles sorriam sem entender as palavras, mas entendo a intenção.
- Quando eu voltar ao Brasil, vou matricular-me em um curso de inglês – comentou ela com Regina. – Você fala bem inglês?
- Bem – disse Regina – eu tento, mas não adiante muito, pois eles falam australiano...
E todos sorriram. Pois o sotaque australiano é diferente, e muitas palavras são próprias deles, como o ‘no worries’ ao invés de ‘you’re welcome’ ao responder a um muito obrigado.
Marcaram o horário do encontro para a excursão que fariam dali a dois dias, antes de irem para casa.
Bem cedo, Sandro deixou Fernanda e Regina na casa de Juliana, e de lá um taxi as levou ao aeroporto.
Apenas duas horas de vôo, mas chegariam a Adelaide com meia hora de diferença de fuso horário que as mães não conseguiram entender – um horário de verão meia hora adiantado ou atrasado em relação a Sydney. Por que não uma hora exata?  Coisas da Austrália.
O vôo foi curto e o lanche foi servido por aerosenhoras, no dizer de Regina, o que fez a filha rir. Serviram um delicioso cookie e refrescos.
Ao pousar em Adelaide, o avião bateu no solo com grande estrondo, para grande susto dos passageiros, e Juliana gritou:
- Caramba, deslocou meu DIU!
Fernanda, Regina e Rita riam, e todos os passageiros também, um pouco de nervoso, um pouco pelo jeito engraçado de Juliana, que continuou:
- Caramba! Um piloto so precisa saber duas coisas na vida: aterrissar e decolar, e ele consegue errar? Muito obrigada, seu piloto, por quase tirar o avião da pista e nos matar a todos!
A esta altura, Regina perguntou baixinho para Fernanda:
- O que está acontecendo?
- A Juliana morre de medo de avião – cochichou Fernanda em resposta.
Juliana estava com uma mala enorme, sua mãe apenas levava uma valise de mão; Rita e Regina levavam pequenas malas. A enorme mala de Juliana parecia bem pratica de carregar e empurrar, porem não cabia nos maleiros pequenos do depósito, nem no bagageiro dos taxis comuns, o que atrapalhava um pouco, ela tinha de pagar um pouco mais, e de esperar por um taxi com bagageiro maior. Pois, curiosamente, os taxistas transportavam seus estepes deitados dentro do porta-malas, coisa que Regina não entendeu, pois um taxi deve ter espaço para as malas dos passageiros, principalmente se ele faz ponto em um aeroporto, não parece lógico? Não para os australianos.
Do aeroporto, um shuttel as levou até a estação de ônibus de onde partiriam para a ilha Kangaroo. Havia um intervalo de duas horas até a partida do ônibus, então foram andar pelos arredores, deixando as malas em um depósito.
Ao lado do depósito de malas havia uma pilha de folders, pegaram alguns sobre Adelaide e sobre a ilha Kangaroo. Ali Regina leu algo interessante, e comentou com as outras: a ilha, na língua dos aborígenes, chama-se Karta, a terra da morte. Sítios habitados por aborígenes foram encontrados no local, com cerca de 16 000 anos de existência, porém, há 2000 anos os aborígenes deixaram a ilha, sem que se saiba o porquê. 
O explorador inglês que primeiro descobriu a ilha foi Matthew Flinders, em 1802. Um farol foi construído no cabo Couedic em 1906, e a casa do antgio faroleiro hoje é usada como alojamento para turistas.
A viagem até a ilha Kangaroo foi demorada – longo trajeto de ônibus por paisagens lindas e depois duas horas em um ferry boat, mais outro longo trajeto até a casa alugada.
A cada cinco minutos, Rita exclamava:
- Mas que lindo! Que paisagem mais rica! Que terra maravilhosa!
Regina também viajava com o nariz quase grudado na janela, suspirando de satisfação. Valeu a pena vir de ônibus ao invés de pegar o avião para a ilha. O avião era pequeno e a filha não sentiu segurança em voar no que ela chamou de teco-teco.
O enorme ferry boat tinha serviço de bar e vidros panorâmicos para observarem o mar, e viajaram ao por do sol.
Ao chegarem, embarcaram em um shuttle juntamente com outras pessoas que foram conversando entre si, pela conversa, perceberam que eram moradores da ilha. Quando ficaram apenas elas e uma outra senhora, que falava muito o tempo todo, esta senhora voltou-se para elas e puxou conversa; contou que era canadense e há 29 anos morava na ilha, fora proprietária de pousada, de loja, e agora era aposentada.
Finalmente, quase nove da noite, chegaram a uma praça quase deserta, e o motorista desceu com elas, pegou as malas e subiu as escadas de uma casa, abriu a porta e falou:
- É aqui, podem entrar. Se pretendem jantar, é melhor irem rápido, pois tudo fecha depois das nove.
Elas ficaram admiradas em descobrir que a porta estava aberta, simplesmente.
O motorista deu de ombros:
- A chave deve estar por aí, em algum lugar, mas ninguém vai entrar aqui, só vocês.
Juliana deixou a TV ligada a as luzes acesas, por precaução, e elas correram ao redor da quadra em frente em procura do único restaurante aberto, onde um rapaz sonolento falou que ia fazer o pedido para comerem em casa, e não na mesa, pois estavam fechando. Elas levaram para casa sanduíches com batatas fritas e refrigerantes.
Na casa, olhando com calma os armários e a geladeira, descobriram café, chá, açúcar, e todas as comodidades de um hotel: secador de cabelos, torradeira, liquidificador, uma estante com vários tipos de livros, desde romances atuais ate infantis, banheiro com shampoo, condicionador, alem, é claro, das camas confortáveis.
No dia seguinte, a excursão, que saia de Adelaide cinco e meia da manhã, passaria para pega-las às nove horas, tempo suficiente para irem tomar café e comprarem algo no supermercado para a noite, caso chegassem tarde.
Ninguém brigou por causa do banheiro, nem teve de esperar muito pela sua vez; entenderam-se perfeitamente.
Foi uma noite bem dormida, em total escuridão lá fora, com ruídos de bichos cantando nos ouvidos, e a lembrança das belas paisagens para recordar antes de adormecer.
Na manhã seguinte, Fernanda encontrou a chave: estava na porta dos fundos. Saíram para tomar o café mais descansadas, sem a preocupação de deixar as malas em uma casa aberta.
Regina e Rita ficaram conversando na sala enquanto as filhas se arrumavam nos quartos. Rita também era filha única, como Regina, gostava de trilhas a caminhadas, e era a primeira vez que vinha para a Austrália.
- Temos muita coisa em comum, não achas? – comentou ela.
- Filhas maravilhosas – respondeu Regina, que estava muito feliz com a viagem.
Na padaria, as meninas escolheram com dificuldade entre os pãezinhos e tortas da vitrine, tudo muito bonito, embora nem tudo o que é bonito seja obrigatoriamente gostoso, comentou Rita.
Como ventava muito, Regina escolheu um chocolate quente, e sanduíche quente também.
Haviam colocado nas malas roupa de praia, shorts, sandálias, mas o tempo esfriara, e acabaram usando apenas as calças longas, tênis e o casaco que viera só por precaução.
No supermercado, compraram pão, queijo, bolo, bolachas, manteiga, e deixaram na geladeira da casa, escovaram os dentes e saíram para aguardar o motorista.
- São todas de uma mesma família? – perguntou o motorista, para puxar assunto.
- Não, somos duas filhas e duas mães – explicou Juliana – as filhas moram aqui, as mães estão de visita.
O motorista era um senhor de cabelos brancos, rosto vermelho, tagarela, que pos-se a contar sua vida com certo ar dramático. Ele fora um proprietário de terras, criava ovelhas, até que houve uma crise da lã, o preço caiu, ele perdeu a fazenda, a mulher o deixou e levou junto os filhos (seus olhos se encheram de lagrimas nesta hora), ele ficou na ilha com seus dois cães e, tentou brincar, estava procurando uma mulher rica para casar com ele e refazer sua vida, mas não podia se queixar, pois gostava de trabalhar como motorista e levar os turistas para conhecer as belezas da ilha em que nascera.
E aí desandou a falar dos cangurus, das focas, dos pingüins e do aeroporto, onde iam buscar outros passageiros.
Observaram o avião pousar – o pouso foi bem melhor do que o avião grande em que chegaram a Adelaide – e depois foram levadas junto com outros dois casais para outro local, onde o motorista falou sobre as abelhas Lugurian enquanto aguardavam o ônibus que vinha de Adelaide, e que as levaria aos parques nacionais. Por rádio, ficaram sabendo que ele estava próximo; em poucos minutos trocaram de ônibus; estava lotado, e elas sentaram-se nos últimos lugares.
Juliana e Rita iam sentadas juntas, tagarelando. Fernanda e Regina iam sentadas juntas, olhando pela janela; de vez em quando Fernanda exclamava ‘um canguru’, Regina não via, pois eles eram muito rápidos ou estavam muito longe.
A primeira parada foi em uma praia com leões marinhos – só fêmeas grávidas ou com filhotes, amamentando. Não se pode chegar próximo demais de um leão marinho, pois eles são grandes, fortes e agressivos, porém uma das fêmeas veio por trás do grupo com seu filhote e simplesmente ‘abriu caminho’ empurrando algumas pessoas e assim, todo mundo viu o animal bem de pertinho, ainda que a guia local, assustada, tentasse afastar rapidamente o pessoal.
O segundo local onde pararam foi em Remarkables Rocks, uma formação de rochas muito interessante: umas pedras recortadas imensas, repousando sobre um paredão rochoso; o guia afirmou que a formação tem milhares de anos, e Regina gostaria de entender como as pedras foram parar lá, apoiadas sobre o paredão. No interior de algumas dessas pedras ocas, a pedra esta escavada em ondas, como se estivessem no mar – no interior de cavernas à beira mar vêem-se marcas de erosão parecidas.
A caminho das Remarkables Rocks, Fernanda parou e chamou a mãe. Ali ao lado do caminho estava um possum, grande, de olhos enormes, orelhinhas que lembram as de um gato, tranqüilamente comendo frutinhas do mato. O animal parecia não ter medo nenhum dos humanos, nem se incomodou com os olhares intrusos dos turistas.
O terceiro lugar onde pararam foi no arco Admiral, uma formação rochosa à beira-mar, que, como o nome indica, lembra um arco. Neste local as ficam focas, brincando, dormindo, brigando, namorando.
A seguir, pararam no centro de informações do parque, onde havia a inevitável loja, um mostruário com ossadas e pelagem de animais, uma lanchonete, onde almoçaram, sanitários, panfletos.
Infelizmente Juliana estava se sentindo muito mal, com cólicas, enjôos, não foi ver as focas e voltou rápido para o ônibus nas Remarkables Rocks – o motorista brincou com ela, dizendo que havia ali também Remarkables Toilets. A moça havia esquecido seus medicamentos em Sydney e ali não havia farmácia.
O mal estar passou antes do final do dia, e o passeio não foi totalmente perdido para ela.
A última parada foi para ver coalas,     que não existiam na ilha Kangaroo, e foram para lá levados quando se criaram os parques nacionais, juntamente com algumas espécimes de eucalipto, que, infelizmente, não se adaptaram ao clima, de maneira que os coalas estão pouco confortáveis lá.
Começou a ventar forte e a ameaçar chover, então Regina não quis descer do ônibus. Rita, que desceu, voltou toda contente, pois alem de coalas, havia diversos cangurus e walabis pastando ali perto;
O passeio terminou e elas foram levadas para casa antes das oito da noite. Todas as lojas estavam fechadas, só funcionavam entre nove da manhã e cinco da tarde; e os restaurantes estariam fechados quando voltassem da observação dos pingüins. A ida ao supermercado pela manhã fora uma escolha acertada.
Às oito e meia foram para o Centro de Observação de Pingüins perto da casa que haviam alugado, de propósito, naquele lugar, chamado Penneshaw, para poderem fazer o passeio noturno observando pingüins.
Houve uma palestra prévia, dentro do centro, depois disso saíram todos atrás da guia, que portava uma lanterna vermelha. Andaram por quase uma hora nas plataformas construídas sobre o local onde a colônia de pingüins constrói seus ninhos, e viram muitos dos pequenos pingüins azuis, os menores do mundo. Alguns bebes pingüins eram exibidos, e, quando iluminados, corriam para a frente de suas tocas e batiam as asinhas. As mamães e papais, ao chegarem do mar, paravam por algum tempo imóveis sobre as pedras, possivelmente para tomar fôlego e se recuperarem do esforço – o guia contou que algumas vezes eles ficam até três dias no mar, antes de retornar a seus ninhos, quando os filhotes já estão grandinhos. E aquela colônia, atualmente tem cerca de 500 pinguins, nos anos anteriores chegara a ter 700.
Todos ficaram bem quietos, para não assustar as aves, até mesmo as crianças.
Antes das dez retornaram, completamente geladas pelo vento frio, nem parecia ser primavera. Rita e Regina riram, falando dos bikinis que haviam colocado nas malas a pedido das filhas, pois ali havia praias muito bonitas e poderiam talvez tomar um banho de mar...
Fernanda e Juliana apenas sorriram – não costuma fazer tão frio na Austrália na primavera, e não custa colocar um bikini na mala, não é mesmo? Na pior das hipóteses, o bikini volta para casa sem ser usado.
Para quem dispõe de mais tempo, há muito mais a fazer na ilha Kangaroo, como degustar vinhos locais, frutos do mar, visitar os apiários, as fazendas, pescar, fazer snorking, nadar, mergulhar ... uma local ao qual se pode voltar, alguma dia no futuro, mas, por enquanto, era o suficiente.
Na manhã seguinte, tomaram seu café tranqüilamente, sentaram-se na sala folheando livros e conversando, enquanto aguardavam a condução de retorno a Adelaide.
Lá pelas oito, alguém bateu na porta. Era um homem uniformizado, perguntando por elas: Mrs. Rodrigues e Mrs. Alonso.
Fernanda e Juliana olharam uma para a outra:
- Você não é Vieira?
- Você não é Gonzalez?
- Sou Rodrigues Vieira.
- Sou Alonso Gonzalez.
O motorista parecia confuso e perguntou se eram todas da mesma família, e Juliana tornou a dizer:
Somos duas filhas e duas mães. As filhas moram aqui e as mães vieram de férias.
Mas, cadê o ônibus?
Bem, explicou o motorista, eu estou meio perdido, não conheço esta rua direito, então parei o ônibus na rua principal e resolvi procurar o numero a pé. Mas não se preocupem, eu carrego a mala mais pesada.
Elas se entreolharam sem entender. Como alguém consegue se perder em um vilarejo com seis quadras? E, quando o motorista respondeu a uma pergunta de Fernanda e afirmou que nascera na ilha e sempre trabalhara ali, aí é que ninguém entendeu mesmo. Mas, como boas brasileiras que eram, seguiram a regra: se a coisa parece esquisita, é melhor não perguntar...

Adelaide - Warrawong wildlife sanctuaryStock Road, Mylor via Stirling
www.zoossa.com.au
http://www.warrawong.com/
Stock Road , Mylor via Stirling

A viagem de volta para Adelaide foi demorada, e tão bonita como a viagem de ida para a ilha Kangaroo.
Sentaram-se na fila da frente do ferry, observando o mar; depois, as paisagens rurais com todas as ovelhas, árvores e cangurus a que tinham direito de observar.
Quando chegaram a estação de ônibus, deixaram ali as malas por uma hora enquanto passearam pelo centro de Adelaide e faziam algumas necessárias operações bancárias, depois do que  pegaram um taxi para o próximo destino: Warrawong, uma reserva animal onde se faziam passeios noturnos para observar os masurpiais em seu habitat natural – como se cabe, a maioria dos marsupiais são noctívagos.
Em seu passeio, passaram por uma praça onde havia varias estatuas de porquinhos dourados ao redor das latas de lixo de rua, e ali tiraram algumas fotos, de brincadeira. Havia uma mulher muito gorda sentada em um banco próximo, e as mães brincaram falando que havia um porquinho a mais, e que faziam questão de fotografar os arredores para captar a imagem do porquinho extra – mas Fernanda ficou muito encabulada, e temendo que a mulher percebesse a brincadeira, não tirou as fotos no ângulo apropriado.
Almoçaram em um restaurante do centro, almoço regado a vinho, que Adelaide é região  de ótimas vinícolas. Fizeram questão de um restaurante de verdade, ambiente silencioso, e não a praça de alimentação de um shopping. Apreciaram cada gole do delicioso vinho.
Pegar o táxi foi um problema, por causa da mala da Juliana e por ser domingo, e não conseguirem telefonar para a central de taxis, e terem de ficar esperando por algum que passasse na rua. O que era muito ruim, pois, segundo Fernanda, eles sabem o horário dos ônibus e se dirigem a estação no horário da chegada e partida dos mesmos.
E aí as mães ficaram sabendo de outra particularidade da Austrália: o serviço de telefone na central de taxis funciona nos dias úteis das nove da manhã até as cinco da tarde, assim, quando alguém vai viajar de madrugada, precisa agendar o taxi no dia anterior, e o costume brasileiro, de chamar um taxi quando começa a chover, ou quando se sai cansado de um programa noturno, simplesmente não funciona ali; se não agendar o taxi com antecedência, vai ter de ir na chuva mesmo, ou ficar esperando no ponto de ônibus.
O motorista, um indiano, não conhecia o lugar, não quis olhar o GPS da Fernanda, e ficou falando com alguém em seu celular, em uma língua estranha, até conseguir entender o endereço, e, afinal, após vinte minutos, elas chegaram sãs e salvas na reserva.
Chovia, ninguém lembrara de trazer guarda-chuva, e olharam melancolicamente para as arvores semi ocultas na neblina.
Na recepção, pegaram as chaves das cabanas, olharam a sala de estar com lareira, a vitrine da lanchonete local, e seguiram a recepcionista, que após mostrar o caminho para as cabanas, falou com entusiasmo que o passeio noturno sairia da sala de estar às oito e meia em ponto.
Fernanda e Regina ficaram no chalé seis, Juliana e Rita no chalé cinco. Ao entrarem, Regina ouviu Rita gritar: uma barraca! - e sorriu. Realmente, estavam em uma barraca.
Havia um murro de alvenaria de cerca de um metro e meio, a partir daí estava amarrada nas paredes uma lona verde, as janelas eram lona perfurada recobertas com uma tampa de lona que se fechava com zíper; exceção feita ao canto onde estava o banheiro, um cômodo de material sintético, semelhante ao usado em piscinas.
Das janelas, podia-se ver o mato ao redor, e, neste mato, pássaros nos arvoredos, coalas nas galhos dos eucaliptos, e, com sorte, à tardinha e ao amanhecer, cangurus.
A entrada para a reserva é gratuita, as pequenas palestras que ocorrem no decorrer do dia são pagas – assistiriam a duas delas, uma sobre aranhas e insetos; outra sobre lagartos. As palestras aconteciam em um recinto fechado, a chuva não atrapalharia, e incluíam apresentações de animais vivos.
Depois de tomarem banho, trocarem de roupa, dormiram um pouco até a hora do jantar, às seis e meia, como os australianos, não como os brasileiros.
A comida servida estava deliciosa.
Regina pediu peixe com lula, artisticamente servida partida em rodelas, Juliana pediu uma sopa de ervilha servida com torta de carne – a torta vinha no meio da sopa, parecia esquisito, porém ela disse estar gostoso.
O melhor era olhar pela parede do restaurante. A parede era envidraçada de alto a baixo em toda a sua extensão, e, do outro lado, um jardim iluminado, com pedras, troncos e arvoredos, por onde corriam pequenos animais, os marsupiais da reserva – e, eventualmente, um rato. Também patos e galinhas com suas ninhadas passaram por ali, a caminho de seu local de repouso.
Voltaram para a cabana para escovar os dentes, embrulhadas em seus casacos, e, então, a chuva parou.
A senhora que liderou o grupo era voluntaria de um serviço de proteção à fauna asutraliana. Tinha cabelos brancos e muita paciência para observar os cantinhos das matas.
O grupo seguiu por passarelas de madeira que cruzavam a reserva, algumas sobre o lago local, onde puderam observar os ornitorrincos, de longe, nadando. Havia patos de todos os tipos por todos os lados, cisnes brancos, tartarugas. Saindo da região dos lagos, começavam as trilhas em terra seca – no bosque de eucaliptos estavam os coalas – uma mamãe coala com seu filhote às costas foi a sensação.
Olha aí o pequeno Joe – disse a senhora, e Regina e Rita aprenderam que os australianos se referem aos filhotes dos animais como Joe, sabe-se lá por que motivo – e se for uma garota? Regina pensou mas não ousou perguntar.
O passeio foi o mais interessante de tudo o que Regina já fizera na Austrália. A luz vermelha iluminava os recantos mais escondidos dos matos, e daí surgiam todos os tipos de marsupiais possíveis – apenas equidnas não havia ali, pois elas precisam de territórios muito grandes, maiores do que a reserva – explicou a senhora.
Os mais encantadores eram os betons e os poturus, canguruzinhos que mais pareciam bichinhos de pelúcia.
Havia na reserva quatro cangurus mansinhos, criados em cativeiro pois eram órfãos; desses os turistas podiam se aproximar e acariciar e oferecer grama – dos outros, os selvagens, deviam manter distância.
Ao final do passeio, a guia anunciou que havia coalas encarapitados em frente aos eucaliptos da cabana quatro.
Como não haviam trazido lanterna, elas só puderam ver os coalas na manhã seguinte – eles ficaram por lá o outro dia inteiro, imóveis, dormindo.
A noite foi embalada pelo canto dos pássaros noturnos e toda espécie de sons de insetos, vento nas folhas e chuva. Havia um sistema de aquecimento elétrico na cabana, em pequenos tubos que seguiam ao longo das paredes; alem disso, havia cobertores elétricos, de modo que dormiram bem aquecidas.
Na manhã seguinte, a chuva parara. Regina e Fernanda foram tomar o café da manhã e encontraram as companheiras a caminho, observando os coalas da cabana quatro.
No café da manhã, o espetáculo atrás das paredes envidraçadas era outro – toda espécie de pássaro que você puder imaginar – periquitos, cacatuas, pombos, corvos, e um de bico longo e duro chamado kukaburra, muito barulhento, alem dos magpies de penas brancas e pretas.
Havia poucos hóspedes na reserva, apenas duas outras mesas, e ninguém se cansava de olhar os pássaros, somente ao começar a palestra do dia é que se levantaram das mesas.
Rita comentou que o espetáculo da noite era diferente do espetáculo da manhã.
Logo após a palestra, andaram mais pelas trilhas que haviam seguido à noite, procurando ver os ornitorrincos, os mais difíceis animais de serem vistos na natureza.
Fernanda tirou muitas fotos – somente depois de terminar o passeio é que percebeu não haver tirado nenhuma foto das quatro juntas! Os bichinhos literalmente roubaram o espetáculo!
À hora do almoço, a chuva recomeçou, com vento frio. Almoçaram com calma, observando a passarada, saboreando a comida deliciosa. Depois, foi tomar banho, fechar as malas e aguardar o taxi.
O vôo Adelaide – Sydney foi tranqüilo, sem pousos assustadores. Infelizmente, como era hora da janta, não serviram os bolinhos gostosos e sim um frango carregado de curry que nenhuma delas conseguiu comer.
Sandro estava esperando por elas no aeroporto; deixou Rita e Juliana em casa, no caminho.
E este foi o fim da excursão das duas mães e das duas filhas, momentos agradáveis para se guardar na memória, na gaveta dos dias felizes.
Sydney
Sydney
www.featherdale.com.au
217 Kildare Raod donnside NSW 2767
Certo dia, Marta, amiga de Regina, disse a ela que sua filha Mariana queria morar uns tempos no exteriro, talvez ir para a Austrália:
- Você que já esteve lá, pode dar umas dicas para a Mariana.
- Melhor que isso, posso dar o e-mail da minha filha, elas podem trocar idéias.
Mariana e Fernanda não se conheciam, mas, pela correspondência trocada, Mariana decidiu-se pela Austrália. Fernanda foi pega-la no aeroporto, levou-a para conhecer a cidade no fim de semana, e ficaram amigas, para grande alegria das mães.
Agora, de volta a Sydney, Fernanda chamou Mariana para acompanhar a família em um passeio a Featherdale, uma reserva animal muito interessante, perto de Blue Mountains.
Apesar de já estar na Austrália há um mês, Mariana estava muito ocupada com seu curso de inglês e seus empregos para ocupar-se com lazer. Empregos, poirque já havia pulado dois, barista e empacotadora de lojas, e estava panfletando currículos para um melhor, em sua própria área de atuação, arquitetura.
Sábado cedo, Regina acordou e ficou no computador classificando fotos em sua pagina do Facebook esperando a geração mais nova e mais dorminhoca dar sinal de vida.
Dois periquitos barulhentos ficaram gritando n
a varanda até que ela esmigalhasse uma fatia de pão para eles, que vieram beliscar as migalhas na maior alegria, chamando outros companheiros – havia dias em que chegavam sete a oito passarinhos para comer.
Regina pegou um iogurte na geladeira – os iogurtes da Austrália são deliciosos. Mais tarde, comeria pão com manteiga junto com a filha.
Perto de meio dia, saíram para buscar Mariana, e pegaram a estrada.
Featherdale é um daqueles lugares onde o turista recebe desconto com seus cupões do guia de Sydney, pegos ao desembarcar, no aeroporto, mas Regina esquecera seus cupons em casa e teve de pagar o preço integral.
Fernanda ficou a olhar o horário dos espetáculos dos bichos enquanto os outros iam para a bilheteria. Ela avisou que a apresentação das equidnas começaria em cinco minutos, então todos correram para o local das equidnas, bichinhos tímidos, noturnos, difíceis de ver.
As equidnas estavam lá, bem grandes e espinhentas, nas mãos dos biólogos que interagem com o público, oferecendo a elas sua comidinha preferida.
É claro que logo após terminar a refeição, as danadinhas sumiram, foram dormir em suas tocas, e os turistas foram cada um para seu canto.
Fernanada, Regina, Mariana e Sandro voltaram ao começo do parque e começaram pelo primeiro quintal, o dos cangurus.
Mariana colocou uma moeda em uma maquininha presa à parede e retirou dela um copinho feito de grama, com grama dentro. É isso mesmo, o próprio copinho pode ser comido pelos bichos. E as pessoas podem alimentar os cangurus e outros marsupiais por ali. Cada copinho custava dois dólares.
Crianças e cangurus corriam para cá e para lá. Os cangurus de lá são mansos e estão acostumados com as crianças pequenas e grandes...
Para cada quintal, havia uma cartela e um carimbo. As crianças, de qualquer idade, podiam carimbar a cartela e ir monitorando sua visita. É claro que Regina e Mariana ficaram carimbando todos os bichos possíveis para documentar sua visita e recordar a infância. Até Fernanda se animou a carimbar o seu passaporte, o que nunca havia feito antes, apesar de já ter ido varias vezes a Featherdale.Havia oito carimbos: coala, canguru, wombat, dingo,  diabo da Tasmânia, morcego, emu e crocodilo.
Na parte dos coalas, podia-se chegar bem perto, acariciar o bicho, que tem cheirinho de eucalipto, e tirar foto com ele.
O diabo da Tasmânia estava mesmo endemoniado, correndo feito um maluco em volta de uma pedra, com suas orelhinhas vermelhas brilhando ao sol.
Foi uma tarde gostosa, quente, própria para caminhadas longas.
No curral da fazenda de Featherdale, um bode esfaimado acabou com o potinho de grama de Mariana, que ficou muito assustada com o avanço do bicho. Todos riram.
ao final da tarde, lavaram as mãos e tomaram um sorvete na saída do parque, depois foram jantar em um restaurante na praia de Manly.
Todos os restaurantes e lanchonetes de Manly estavam lotados, foi difícil achar local para estacionar, porém conseguiram uma boa mesa, no andar superior, perto da varanda de onde tinham uma vista panorâmica da praia, com seus coqueiros e gaivotas.
A caminho de casa, deixaram Mariana em seu próprio apartamento.
Regina estava feliz.
Tomou um banho com sais cheirosos na banheiro do banheiro de hóspedes, para relaxar os pés cansados, e leu um pouco antes de dormir.
Fernanda havia ido com ela à biblioteca do bairro, onde havia livros e filmes novos para alugar, mas o processo australiano de biblioteca publico não significa gratuidade. As pessos pagam umas pequenas taxas simbólicas para usar alguns serviços, como reservar livros, solicitar entrega em casa ou prorrogar o empréstimo.
Como Regina estava praticamente sem falar inglês, pois estava rodeada de brasileiros, pelo menos mantinha o contato com a leitura.
No dia seguinte, foram à Ópera House.
Regina já vira a Ópera House por fora, mas agora, ia ver um espetáculo, o corpo de baile australiano ia apresentar A Viúva Alegre.
Agora, sim, ela poderia dizer que conhecera a Ópera House.
Saíram cedo, pois o espetáculo começaria às sete e meia, então saíram de casa seis horas; havia muito trânsito entre Dee Why e Sydney, apesar disso estacionaram com facilidade.
Regina gostou de estar elegante em um ambiente formal, apreciou a música e a dança, já havia lido a história antes; caso contrário, poderia ler o resumo da história no folder distribuído na entrada.
Ao saírem, caminharam um pouco pelo cais, lotado de jovens. Darling Harbour é um dos locais mais bonitos da cidade.

Segunda-feira, ultimo dia de Regina em Sydney, ela preparou uma sopa de cogumelos para o almoço. Os cogumelos australianos são tão grandes que pode-se prepará-los recheados. E, o mais importante, são deliciosos.
À tarde, foi ao cinema IMAX 3D, para assistir um documentário,  pois no Brasil não havia tal tipo de cinema, depois foi encontrar Fernanda e juntas foram ao Max Brenner, uma chocolateria de que as duas gostavam muito, para saborear um chocolate quente com fruta (Regina pediu chocolate com leite de coco) e comer waffle coberto com chocolate. Muito bom!
Terça-feira pela manhã, a filha e Sandro a acompanharam ao aeroporto.
Desta vez Fernanda não chorou ao se despedir. Afinal, a mãe pretendia voltar em breve, desta vez em definitivo, após sua aposentadoria.
E sempre haveria todos aqueles bons momentos para recordar.
 


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